11.9.11

O 11 DE SETEMBRO DE "CHICO" LAGOS.

           Santiago do Chile, 11 de Setembro de 1973. As últimas horas de Salvador Allende .
                                                       Foto de Orlando "Chico" Lagos




 O 11 de Setembro de 2001 foi óbviamente documentado visualmente de forma maciça. 
Dessa imensa produção, há fotos para todos os gostos e feitios, das mais espectaculares ás mais subtis, muitas recorrentemente recuperadas nas efemérides da ocasião. Várias delas foram premiadas na edição desse ano do World Press Photo (WPP), cujo grande prémio foi no entanto atribuído a uma imagem de Erik Refner obtida numa das tristemente habituais catástrofes humanitárias africanas.

Mas uma das primeiras fotos que enquanto garoto me ficou na retina, foi de facto grande prémio do WPP, e foi obtida num 11 de Setembro. Não o de 2001, fundador do tempo que vivemos, mas o de 1973, ano do golpe militar de Pinochet, acontecimento que na altura teve enorme repercussão  na luta mortal das ideologias.
Nela se vê Salvador Allende rodeado de fiéis, capacete na cabeça e AK-47 a tiracolo, a assomar a uma das entradas do palácio de La Moneda, para observar as evoluções dos aviões golpistas. Nos rostos apreensivos pressente-se a iminência do fim que inscreveu na imagem a carga mitíca que a tornou célebre.
Também a história do fotógrafo que a obteve é triste;  Orlando "Chico" Lagos ( 1913 – 2007) era à data fotógrafo oficial da presidencia chilena, e saiu do palácio na última hora, na companhia das filhas de Allende, e com alguns dos rolos que tirara com a sua Leica dissimulados na roupa.  As fotos chegaram umas semanas mais tarde aos Estados Unidos e começaram a correr mundo com a menção de "autor desconhecido". Normal, pois Orlando, por razões de segurança pessoal havia pedido que assim fosse, e foi com essa assinatura que ganhou o referido grande prémio dos WPP de 73.

 Esse anonimato terá no entanto estado envolto numa série de equívocos, pois Lagos teria negociado com  a direção do New York Times de então que a autoria da foto seria oficialmente desvendada com a sua morte, o que não terá acontecido. Tal como não terá recebido os 12 000 dólares (soma importante à data) que seriam a contrapartida da utilização das fotos. 

A história é como disse triste, e está bem contada nesta página de 2007 do diário chileno "La Nación". 

Mais do que julgamentos, a mim interessa-me neste 11 de Setembro deixar a minha homenagem a um fotógrafo ao qual as circunstâncias roubaram a glória mas não a honra.

2.9.11

HOMENAGEM AOS AMADORES. O CASO VIVIAN MAYER.

 Vivian Mayer. 22 de agosto de 1956


                                                     Vivian Mayer. NYC, s/data


A minha amiga Mafalda Borges chamou-me a atenção para o caso de Vivian Mayer (1926 – 2009), uma discreta ama de Chicago e  fotógrafa amadora irreprimível, que desde os anos 50 produziu, sobretudo na companhia de uma Rolleiflex, um notável corpo de trabalho. No registo do quotidiano (ainda e sempre a "street photography") e de viagens, financiadas ao que parece com a venda de alguns imóveis de familia.

Sobre a sua vida e obra existem informações em bom detalhe aqui e aqui, derivadas do interesse de John Maloof, o responsável pela divulgação da obra da fotógrafa. Em 2007, Maloof, um estudioso da história de Chicago, adquiriu sem grandes expectativas 30 000 negativos leiloados na sequência da insolvência de Mayer, que terá passado os últimos anos de vida perto da miséria.

Segundo o dicionário, o termo "amador" refere-se "ao que, por gosto e não por profissão, exerce qualquer ofício ou arte". Longe portanto, do sentido pejorativo associado aos intrusos nas esferas às quais se associam competências técnico-estéticas especificas. 
Vivian Mayer parece ter levado esta definição ás ultimas consequências, pois do seu trabalho não houve eco até depois da sua morte, e a sua actual divulgação deve-se a circunstâncias próximas do puro acaso. Tal anonimato deveu-se não a uma daquelas injustiças de avaliação de mérito em que o mundo é pródigo, mas pelo simples facto de Mayer nunca ter mexido uma palha para que tal acontecesse, pois aparentemente nunca se preocupou em mostrar as suas fotos fosse a quem fosse. Muitos negativos foram obtidos ainda por revelar.

Não acredito que não tivesse consciência do seu valor e do interesse que despertariam. O seu olhar é o de uma esteta, e os estetas sabem do valor da beleza. Mas a sua práctica devia fazer parte  de uma catarse íntima, de um prazer cuja satisfação quase onanista tornava dispensável a validação pelo outro.

Uma espécie de meta-amadora portanto, cuja opinião que poderia ter acerca da divulgação das suas imagens, (com um livro em preparação e popular presença online), permanecerá motivo de especulação e discussão.

Em todo o caso momentos de poesia pura, que reforçam a certeza de que o carácter cada vez mais democrático da práctica fotográfica é a sua maior força, e que a contribuição do anónimo amador pode, no tijolo final da construção do seu edificio, valer tanto como a do celebrado profissional. 
Por incómoda que a ideia seja a muitos como eu.

28.8.11

"HERE KITTY KITTY"; LOST IN NYC E MAIS ANGÚSTIAS DA "STREET PHOTOGRAPHY"







©Zach Arias,  2011 da série "Here Kitty Kitty"


Quem foi passando por aqui, já se apercebeu que a chamada "street photography" é um dos meus assuntos favoritos de reflexão (e hesitação) fotográfica, pelas mais pedestres razões; o fascínio do espectáculo urbano, com tanta situação "a pedir" para ser roubada, versus o constrangimento que o "roubo" causa, blábláblá e etc, uma equação que já causou crises místicas em fotógrafos de verdadeiro talento. Lembro-me de numa noite distante nos anos 80 ouvir no Porto, Gérard Castello-Lopes a falar dessas angústias.

Isto como desculpa para partilhar a imagem acima de Zach Arias, fotógrafo norte-americano inicialmente dedicado á fotografia de música, mas cuja fome visual puxa naturalmente para outros mundos. Precisamente nas suas incursões pelo quotidiano de NYC (a que deu o adorável nome de código de "Here, Kitty Kitty") tropeçou em Time Square com esta singular personagem que estava a ser interpelada por dois garbosos cívicos, que segundo conta, básicamente lhe estavam a dizer para se por a mexer ("get lost lady") por não ter a necessária licença para posar para os turistas (!?). Zach acrescenta judiciosamente que "already lost" já a pobre senhora lhe parecia estar e já não devia ser de agora, acrescento eu.

Uma pequena ironia mais para o oficio do "chausseur d`images" em modo street. E a policia, uns chatos em todas as latitudes. Já não basta dar mimo aos que se amotinam quando se veem fotografados à surra, ainda espanta os que se querem deixar fotografar...

Enfim, piadolas duvidosas à parte, importante mesmo é visitar aqui o trabalho deste simpático Zach Arias.

24.8.11

DA INOCÊNCIA DOS VERÕES FELIZES.

                                                        Weegee, Coney Island 1940.

A série de workshops de fotografia que estou a co-organizar com os meus queridos Clara Azevedo e Paulo Vaz Henriques, tem a vantagem acrescida de servir de motivo para revisitar algumas imagens essenciais, às quais que nem sempre tenho voltado com a frequência recomendável.

Assim, coube-me a propósito de um elogio do uso do flash, apresentar à paciente plateia um pouco da vida e obra de Arthur Fellig "Weegee". 

Nome incontornável da história do métier,  as incidências da sua carreira estão abundantemente documentadas em todo o escrito sobre a coisa, online e offline. Ao leitor curioso, basta a pesquisa da ordem.

Para aqui basta apenas dizer que o principal do corpo de trabalho pelo qual se celebrizou, foi a documentação da cena policial, do crime e do "bas-fond" nova-iorquino, sobretudo nas décadas de 30 e 40 do século passado. Actor e testemunha em ambientes soturnos e carregados de um preto e branco de "film noir", Weegee poderia ser fácilmente apelidado de um fotógrafo da(s) sombra(s).

Mas, uma das suas imagens mais famosas, é este tão célebre quanto fantástico instântaneo obtido na praia de Coney Island em 1940.
Não sei bem bem qual foi a preparação da foto, que será uma estória dentro da história, mas para a posteridade ficou o registo de uma multidão gigante, que olha para a objectiva num mar de alegria e entusiasmo.

Será muito dificil nos tempos de desconfiança urbana em que vivemos e viveremos, voltar a congregar tantos olhares que olhem em simultâneo para um fotógrafo com tão inocente motivação.

Uma espécie de paraíso perdido, onde um fotógrafo das sombras teve o seu momento mais luminoso.