19.12.20

"O DIGITAL ESTÁ CONDENADO"

costuma atirar-me em jeito de graça irónica o meu amigo Amândio Albuquerque da Colorfoto em Lisboa. No entanto também ele me fala da subida do consumo de fotografia analógica entre uma faixa etária que abarca sobretudo os adolescentes e os jovens adultos. O processo é simples. Cada rolo entrada de gama 5€ + 8€ pela revelação e digitalização, ou seja por €13 o cliente tem as suas 36 imagens analógicas disponiveis. Basta fazer contas para saber que a brincadeira no médio prazo vai sair cara. E no entanto, nesta casa de fotografia são ás centenas de revelações por mês cujos negativos muitas vezes ficam para trás pois o método favorito de entrega das digitalizações é o email. 

Ali, boa fatia do novo consumidor tipo deste suporte parece dar-se por satisfeito  com a disponibilização da versão digital do seu rolo analógico, não sentindo necessidade de reclamar o negativo, que como sabemos é a matriz única e original da imagem, o que é curioso e contraditório. 
Uma rápida pesquisa na net confirma a existência global  desta tendência. Que é a mesma população que faz milhares de fotos mensais com o telemóvel, mas que reserva o analógico para ocasiões especiais e que espera através dele uma certa validação adicional da sua arte. 

A minha filha Leonor, 23 anos (que vai buscar os negativos), diz-me da existência de "um trend para filmar e fotografar em película que tem texturas mais sedutoras." Assume usar o iPhone como um bloco de notas mas que o seu feed de instagram  tem sobretudo fotos analógicas pois que lhe interessam as imperfeições do filme, por contraponto  ao que sente ser o sharpness excessivo do digital. Retoma procedimentos antigos e fotografa em luz do dia com filmes de tungstênio. Quando lhe replico que semelhantes efeitos podem fácilmente ser reproduzidos no digital, contrapõe com a "necessidade de pensar mais as fotos" mais o "ritual de esperar pelos rolos" e traça um paralelo com a experiência de ouvir música em vinil. Outra jovem, Catarina P., 24 anos, paralelamente a um recente amor pela fotografia analógica declara a vontade de consumir notícias sobretudo na imprensa escrita, em suporte de papel e fala de "uma geração de consumidores com tendências vintage". Hajam muitos assim. Tudo isto é interessante por indicar que num mundo cada vez mais acelerado há movimentos que anseiam pela pausa. Enfim, talvez nem tudo esteja perdido.


                                                           
Leonor Alexandrino, 2020

Também neste registo a "Réponses Photo" deste mês traz-nos num vasto dossier testemunhos dos "Processos antigos - olhares atuais" ,mostrando magnificas imagens que  recuperam a goma bicromatada, a heliogravura, as polaróides grande formato, todo um arsenal de técnicas de ontem que hoje são cada vez mais recuperadas por fotógrafos artistas que veem no domínio das técnicas complexas uma mais valia adicional para a sua obra. Aí, destaque para o trabalho do francês de origem ucraniana Youry Bilak sobre os mineiros da sua terra natal.



Das  expos de fotografia que estão pela cidade, duas habitam as salas do MNACUma individual do norte-americano Todd Hido, inserida no festival Imago e uma colectiva de três artistas sobre a pandemia entre os quais o nosso João Pina que durante dois meses se dedicou a bater à porta dos habitantes confinados do mega edifício Copan em São Paulo, que alberga mais de 5.000 habitantes. Ambas notáveis, e sobretudo a de Pina muito celebrada, são óptimo programa para visita nestas festas singulares.
Bom Natal.




                                                                                  Todd Hido da série "House hunting"


                                                             João Pina, no Copan 2020


14.12.20

O HOMEM A QUEM A FOTOGRAFIA MAIS DEVE

                                                 Alfred Stieglitz por Gertude Kasebier, 1902

é um titulo deliberadamente gongórico, pois como sabemos a construção do edifício da fotografia faz-se de milhares (milhões?) de contributos de anónimos e ilustres, cada um tijolo único na edificação de uma catedral. Mas o norte americano Alfred Stieglitz (1864-1946), como pioneiro e divulgador nos anos da infância da arte e mais além merece largo destaque na história do ofício como um grande entre os grandes.
Nome hoje desconhecido do grande público, nasce em Nova Jérsia filho de abastada família de imigrantes judeus alemães e estuda engenharia mecânica na Alemanha, ofício que não lhe interessava particularmente. Era, segundo parece, mais avistado na ópera, nas pistas de corridas de cavalos e na companhia de jovens senhoras de condição menos afortunada, do que nos corredores da faculdade. Uma educação clássica, portanto.
Acaba por tirar um curso de fotografia com o renomado fotoquímico Hermann Vogel e assim paralelamente aos estudos e à boémia, torna-se fotógrafo amador irreprímivel, viajando e fotografando pela europa fora.
                             Alfred Stieglitz, "The last joke, Bellagio", Lombardia 1887, foto premiada.

Regressa aos Estados Unidos em 1890 já com fotos premiadas e ensaios publicados, para continuar uma carreira que abarcou mais de 50 anos dedicada sobretudo à causa fotográfica. De um feitio peculiar, ainda jovem aceita um negócio de uma casa fotográfica que o pai lhe pôe à disposição, mas perfecionista como poucos exigia que todas as impressões saídas da sua casa fossem de uma qualidade imaculada. Pagava aos seus colaboradores em conformidade e como tal o negócio foi de curta duração.
A Encyclopedia of Photography arranca a entrada com o seu nome dizendo, "Tivesse Alfred Stieglitz nunca tirado uma fotografia e ainda seria considerado uma das mais perenes influências da vida cultural americana do período pré 2ª Guerra Mundial." O tom é justificado, pois o homem, (que em 1924 se casa em segundas núpcias com Georgia O`Keeffe), para além de fotógrafo teve uma atividade frenética como galerista, editor e divulgador.

                            
                                            Georgia O`Keeffe por Alfred Stieglitz, 1918
                                         
Em 1902, ainda muito influenciado pela corrente pictorialista, lança o dinâmico grupo foto-secessão, dedicado a promover a fotografia como forma de arte autónoma, abre a sua primeira galeria e no ano seguinte estreia a revista "Camera Work", muitas vezes considerada a melhor publicação americana de arte da primeira metade do séc XX e a mais bela revista de fotografia de todos os tempos. De notar que para além de fotografia a publicação deu à estampa trabalhos de Picasso, Braque, O`Keeffe e muitos outros artistas modernos. Executada com um rigor técnico inexcedível, a "Camera Work" dura apenas no entanto 15 gloriosos anos nos quais ajudou a fotografia a evoluir da estética romântica do pictorialismo para uma primeira modernidade que abriu caminho para muita da fotografia como a reconhecemos hoje. O trabalho de Paul Strand, no último número duplo da publicação é ilustrativo disto. Como galerista o seu trabalho foi igualmente seminal, tendo gerido uma plêiade de galerias que para além de fotografia exibiam muita da melhor pintura, escultura e trabalhos gráficos.

Enquanto fotógrafo, a sua obra é preciosa. Em 1922 Stieglitz declara ao que veio; "O meu propósito é fazer fotografias que se pareçam tanto com fotografias (i.e. em vez de pintura, gravura etc), que a não ser que o observador tenha olhos e veja elas não serão vistas - e ainda assim ninguém esquecerá tendo olhado para elas uma vez sequer."

  Alfred Stieglitz, "The Steerage", 1907



               "a fotografia fascinou-me primeiro como um brinquedo, depois uma paixão, depois uma
                 obsessão"


Faz parte deste manifesto de intenções a sua longa e famosa série de fotografias de nuvens, "Equivalents", bem como os retratos, estudos de Georgia O`Keeffe e vistas de Nova Iorque que ocuparam os seus últimos anos.

Um espirito renascentista, instrumental para a emancipação e afirmação da fotografia. Talvez seja mesmo o homem a quem ela mais deve.

Fontes; Encyclopedia of Photography, ed. Internacional Center of Photography; Beaumont Newhall, The History of Photography ;
Camera Work, the complete photographs, ed. Taschen; Wikipedia; John Swarkovsky, entrada na Enciclopédia Britânica 





9.12.20

JAKARTA QUE SE AFUNDA OU A CEGUEIRA DO MAR



         ©Calvin Chow 2019


©Calvin Chow 2019
                                          

                                                 

Nestes tempos estranhos e de monotemática noticiosa, recente trabalho do fotógrafo Calvin Chow (1993), lembra-nos que a pandemia é apenas um dos males que nos assombra. As mudanças climáticas têm sido relativamente preteridas nas notícias, mas são elas que no médio prazo representam a mais séria ameaça ao nosso modo de vida, no limite à nossa sobrevivência.

Chow fez um ensaio fotográfico sobre Jakarta, Indonésia, megalópole que como tantas outras zonas costeiras enfrenta o  avanço das águas. Intitulado "The Blindeness of the Sea", centra-se na documentação de um gigantesco muro que na parte norte da cidade tenta conter o progresso do mar. Diz ele que o muro é construído "na esperança de trazer segurança no futuro, mas ao mesmo tempo uma crua lembrança da implacável natureza do progresso." 

As imagens num registo mais próximo do documental do que do jornalístico, são perturbantemente serenas, num paralelo com a poderosa tranquilidade do mar. Numa das mais notáveis vemos um homem que nada trazendo um lote de tijolos afundados que pertenciam a uma mesquita agora submersa e que tenciona vender na cidade.

Depoimento integral do fotógrafo e mais imagens para ver aqui no site do incontornável British Journal of Photography.



É NATAL

E assim sendo, porque não oferecer fotografia? De relance algumas (poucas) sugestões. No online uma visita à loja da Aperture oferece opções para todos os gostos (e bolsas). Mais cá por casa, a editora Pierre Von Kleist disponibiliza dezenas de títulos de autores nacionais, muitos disponíveis agora na renovada livraria Barata da Av. de Roma. Destaco ainda o livro "Folia", sobre o entrudo chocalheiro de Vila Boa de Ousilhão, que o meu velho camarada Egídio Santos disponibiliza por venda direta através do seu Facebook.  Boas compras.