25.12.09

DE OBAMA A KHADAFI, OU AS BORBOLETAS DO PODER






  








Richard Avedon. Os Duques de Windsor, 1957




                                                                                                 




                                                                                                                                                         Platon. Muamar Khadafi, 2009
                


Existe um documentário em que Richard Avedon, a propósito do seu famoso retrato dos Duques de Windsor, conta que a duquesa, furiosa com o resultado,  lhe jurou que, "havemos de o destruír". Acrescentou a seguir, que considerando os patifes anti-semitas que eles eram, até achava que os tinha tratado muito bem.

Aconteceu a "Edward & Mrs. Simpson" o mesmo que a muitas outras figuras do poder, político ou social, que sempre foi atraído pelo glamour dos fotógrafos famosos, como borboletas pela luz. Seguindo a tradição da pintura clássica, e perante a promessa de imortalidade que o sortilégio da imagem fixa representa, arriscam baixar a guarda de uma imagem laboriosamente construida, num exercício que deve por os nervos em franja aos assessores de imagem, cuja cabecinha é a primeira a rolar, caso a coisa corra mesmo mal.

Esta relação foi há pouco tempo reforçada por um notável "tour de force" desenvolvido pela "New Yorker"numa recente reunião das Nações Unidas. Em meses de negociações de bastidores, a revista conseguiu autorização para que o seu fotógrafo-estrela do momento, o britânico Platon (Londres, 1968), instalasse um mini-estúdio à entrada do aerópago, com carta branca para arrebanhar os dignatários que se dispusessem a uma sessão foto.  Os retratos de Platon, apesar de alheados das motivações ideológicas de que Avedon dava eco, têm normalmente um toque desconcertante, parecendo uma  surreal mistura de cartoon com hiperrealidade. Assim, é sabido que quem alinhe na coisa, não é garantido que fique com uma daquelas fotos para por no jazigo. E no entanto, em 5 dias frenéticos, dezenas das mais ilustres "borboletas", de Obama a Ahmadinejad, de Lula a Khadafi, lá se sentaram para a objectiva. Os resultados são magnificamente divertidos, e adorava ser mosca para saber o que foi dito nas chancelarias deste mundo.

Grandes momentos, cujas perípécias são imperdíveis  aqui.

1.12.09

EM ROMA, TRATAR OS ROMANOS COM RESPEITO.



                   © Marco Baroncini, 2009



O incontornável lens mostrou-nos recentemente mais um belo momento de fotojornalismo, desta vez da responsabilidade do italiano Marco Baroncini, (1972).
 O assunto da sua história, os ciganos de etnia Roma, estavam (estão) literalmente ao virar de todas as esquinas. O incómodo que a sua presença causa, torna-os virtualmente invisíveis aos seus compatriotas romanos, numa reacção de autodefesa que todos os urbanos tão bem conhecem. Baroncini olhou, e com respeito, sensibilidade e método, fez pacientemente aquilo para que durante anos se treinou; através da imagem fixa, trouxe para o seu público mais uma peça para o mosaico da sua contemporaneidade.


Esta reportagem, na aparência semelhante a tantas outras, captou-me a atenção por evocar alguns temas sobre os quais gosto de reflectir. Em primeiro lugar, uma abordagem visual que vive no respeito pela dignidade do outro, onde o relato da crueza das circunstâncias não cede a um neo-realismo tardio, miserabilista, e de "choque", que em muitas ocasiões semelhantes é armadilha fatal. 
E também, no reafirmar da superior eficácia da imagem fixa como instrumento de comunicação visual nos suportes mediáticos. Numa altura em que tantos talentosos jovens fotojornalistas, angustiados pelo Zeitgeist, procuram no cruzamento com as plataformas multimédias, modo de afirmar o seu instinto visual, a imagem que se vê acima fala-nos como um velho amor que teima em não deixar de nos seduzir.
Quantas sequências de video condensa aquele instante? Mas o melhor é ver, aqui e aqui.


20.11.09

RITA CARMO E A POP ART DOS POBRES.



  Depois & Antes; À direita, António Sérgio por Rita Carmo, 1993. À esquerda, intervenção de "Sardine&Tobleroni". Condições de venda: «framed, 72 cm x 102 cm (including frame), selling price EURO 2.000 (April 2008). Note that prices might go up while paintings are on tour.»



A fotógrafa Rita Carmo (Leiria, 1970) é uma profissional que faz a sua carreira  na documentação da cena músical nacional. Conquistou pela sua qualidade e seriedade merecido destaque no meio, como fotógrafa residente do "Blitz" (para o bem e para o mal o nosso New Musical Express), pela sua colaboração com inúmeras bandas, e ainda pela obra publicada, com relevo para o seu "Altas Luzes".
Ou seja, firmou-se como um nome que conseguiu a difícil distinção de ser sinónimo de um género. E que por estes dias está a ser falada na comunidade fotográfica, não pelo mérito próprio mas por (de)méritos alheios.

 Em resumo; a Rita está (justamente) fula e desse estado de alma nos deu conta. Pois que a dupla de artistas plásticos "Sardine&Tobleroni", ou seja o suiço Jay Rechsteiner e o conimbricense Victor "Torpedo" Silveira (ex-guitarra dos Tédio Boys), se apropriou, sem pré-aviso, de várias fotos suas para sobre elas construir parte da exposição "Espelho meu - História do Rock Português". 
O "modus operandi" destes talentos assenta na práctica (mais que estafada) da época áurea da Pop Art que consistia grosso modo na assunção que toda a produção visual e iconográfica contemporânea seria do domínio público. Assim, e por decisão unilateral,  qualquer intervenção plástica à posteriori, transfigurava a obra original numa "coisa" nova, pelo que se considerava convenientemente extripada  de qualquer direito autoral a sua matriz primeira. Tal práctica de atropelo ético, vulgo gamanço, quando aplicada por talentos visuais alucinatórios como Andy Warhol e demais troupe produziu os resultados conhecidos. Quando os talentos são sómente alucinados,  temos como no caso em apreço, apenas um pastiche preguiçoso que visa construir a sua capitalização sobre o esforço alheio. Naturalmente que, legalismos à parte, a cada um o seu ponto de vista, pelo que convido o leitor a, observando o díptico acima,  aferir das diferenças entre o antes e o depois, e da justeza  da "elevação" do documento fotográfico à condição de "obra artística."

De notar que no video da reportagem da vernissage brilha, entre vários, Miguel Ângelo (o dos Delfins, não o outro) a explicar embevecido o monumento que honra a sua banda. Interrogo-me de como reagiria ele se ao entrar num elevador, ouvisse os acordes de uma das suas imortais cantigas samplados num qualquer "Muzak" sem que para tal tivesse sido ouvido nem achado.
 Para finalizar em beleza, o jornalista Davide Pinheiro reproduz nas páginas do "DN" da ocasião, um antológico depoimento de Victor Silveira, dando conta que foi numa ocasião em que partiu as duas pernas que, "Depois do acidente, pedi à minha namorada para me comprar umas telas. Nessa altura começei a trabalhar mais nessa área, porque tinha que permanecer em casa." 
 De facto a necessidade aguça o engenho. E uma desgraça nunca vem só.

16.11.09

QUEM VÊ CCTV?


Nuno Lopes em "Alice", de Marco Martins



No maravilhosamente triste "Alice" de Marco Martins, existe uma cena que é toda uma antologia da relação entre o cidadão e as milhares de câmaras de CCTV  que enxameiam as nossas cidades. Quando o personagem de Nuno Lopes se desloca ás catacumbas do aeroporto de Lisboa para clandestinamente resgatar um saco cheio de cassetes de vigilância, onde espera vislumbrar a sua filha desaparecida.
O operador vídeo com tiques de dealer alienado que lhe proporciona a transação, fá-lo porque sabe que ninguém as vai reclamar. A enorme maioria destas testemunhas silenciosas do nosso quotidiano constroem em milhões de gigabites de informação um gigantesco e surreal puzzle/mosaico da nossa passagem pela terra, cujos ecos se vão perder num espaço-tempo incerto.
Mais que servir as tentações totalitárias dos governos, a multiplicação exponencial destes aparelhos e a forma como a encaramos espelha o nosso medo da vida em sociedade. Da ameaça silenciosa que o "outro" representa, e que nós próprios podemos constituir.

E por vezes, como no caso recente do Metropolitano de Boston, estas sentinelas digitais abandonam a sua função original e entram pelo campo do jornalismo visual. Neste caso em concreto duas câmaras, em rudimentar edição campo/contracampo, assinam um momento de reportagem de "Cidadão-Repórter" - e sem "Cidadão", o que suspeito ser o sonho dos mais cibernéticos patrões de imprensa - dando conta em 30 segundos, de uma história triste com final feliz. A máquina testemunhou, cega e sem critério a miséria do humano. E outro humano logo pegou no seu testemunho e o tornou em mais um fait-diver urbano, à medida de um hit do Youtube, onde imediatamente pontificam comentários como "Ahahahaha ha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!LOL ;) Dumb person".

Dias cinzentos em Alphaville.

11.11.09

DA INOCÊNCIA PERDIDA DA FOTOGRAFIA (E) DO FUTEBOL.


Á esquerda, "O Formidável" Fernando Marques acorre a consolar Eusébio. ©

   









De cima para baixo: Maradona em 1979, o brasileiro Jair durante um nevão num Inter-Pádua em 1962 e Geoff Hurst festeja no mundial de 1966 num momento de "arte" foto, tipo "O Independente" avant la lettre.




Um emocionante post de José Vegar acerca do desencanto que  o futebol moderno lhe causa, trouxe-me à memória a maneira com que a "Idade da Inocência" do desporto-rei era captada pelos fotógrafos de então. Actualmente, o primado das teleobjectivas causa um efeito de isolamento da acção, em espectaculares grandes planos que se repetem ad nauseam de jogo para jogo, seja um Nacional-Belenenses ou um Bayern-Inter. As celebrações das grandes conquistas passaram da subversiva e telúrica alegria (lembremo-nos de João Pinto no Prater de Viena a monopolizar a Taça dos Campeões em 87) para coreografias plastificadas entre nuvens de "confettis" onde só a cor muda, encenadas para as camaras de televisão.

Sinal dos tempos, muitas das mais estimulantes imagens são agora obtidas através de camaras fixas em locais improváveis e disparadas por comando remoto por vezes a 100 metros de distancia. Tudo num cenário onde os adeptos se enfeitam numa excentricidade mainstream, cientes da iminência dos seus 10 segundos de palco visual.
Para sempre ficou perdido o registo da envolvência da acção, com as bancadas apinhadas de uma multidão absorta, os ângulos abertos em que uma dúzia de jogadores bailavam, e a inocência com que as grandes estrelas, então livres dos milionários compromissos comerciais encaravam as objectivas.

E de histórias de futebol e fotógrafos, o nosso país tem a mais bela de todas: naquela fatídica tarde de Julho de 1966, Eusébio abandona em lágrimas o relvado de Wembley. Vejam a foto de abertura acima e reparem num sujeito, magrinho e com uma gabardina coçada que se precipita para consolar o Pantera Negra (existe uma bastante melhor do Mestre Nuno Ferrari). O homem é Fernando Marques, "O Formidável" (1911-1996), o cauteleiro de Coimbra tornado fotógrafo, que "doente" da Académica, corria também o mundo na peugada dos "Magriços". Naquela hora de desespero do seu menino mais querido, Fernando pousou as máquinas e acorreu ao amigo como os Homens fazem. Perdeu o "boneco" mas também ganhou o seu lugar na história. Formidável.

ps. Existe no mercado uma mão cheia de livros repletos de interessantes foto sobre o assunto. Algumas das acima podem ser adquiridas em " Football", de Nick Yapp, edição Konemann

7.11.09

O ESTRANHO CASO DOS ADOLESCENTES QUE NÃO SORRIEM.


                                       Rosie Bancroft por Paul Floyd Blake©.  Imagem vencedora da edição 2009 do 
                                       Taylor Wessing   Photographic Portrait Prize.



Acima temos um  retrato da atleta paralímpica britânica Rosie Bancroft pelo fotógrafo Paul Floyd Blake. É a imagem vencedora da edição deste ano do Photographic Portrait Prize (PPP),  recentemente inaugurado na National Portrait Gallery de Londres. Crescente sucesso de público, o PPP  não está imune à sua dose de polémica, como relata o excelente British Journal of Photography.
Básicamente pelo que tem sido percebido como uma obsessão temática por retratos de sombrios adolescentes, onde não se vislumbra um sorriso. Alguns dos fotógrafos premiados argumentam que na pintura os retratados raras vezes sorriem, e que a exigência de que as pessoas sorriam em representações gráficas é recente; 'In real life you don't go around grinning', afirma Floyd Blake.




Parece assim existir uma notável diferença de foco entre a abordagem retratística do produtor profissional, que tenta captar a "vida como ela é", e a visão do público, que aguarda por imagens "da vida como deveria ser",  ou seja, com os sinais de felicidade omnipresentes na vastíssima produção doméstica de "instantâneos" do círculo familiar e da amizade.
Quanto à escolha do objecto primeiro, i.e os adolescentes como assunto, a explicação é linear. O fascínio pela adolescência projecta certamente a nossa expectativa colectiva na eterna juventude.
E será que a representação desse anseio de imortalidade no ar fechado destes modelos, de onde os sorrisos se mantêm arredados, é apenas um modismo visual, ou reflecte também o espírito angustiado dos tempos incertos que a contemporeaneidade ocidental vive?




Procurar mais pistas em edições anteriores do PPP, e a visitar também a página web do premiado.


ps. refira-se que em anos recentes o PPP tem sido patrocinado pela firma de direito Taylor Wessing, num exemplo de mecenato infelizmente cada vez mais escasso por estas paragens.

3.11.09

MERT & MARCUS - UMA COMUNHÃO VISUAL


Penélope Cruz por Mert&Marcus in Vanity Fair, Novembro 2009



A parceria Mert &Marcus, um dos valores mais cobiçados do mundo da foto de moda, é uma interessante excepção à natureza indivídual da práctica fotográfica. Começa por o espírito da sua estética não se inscrever no das megas produções à lá Leibovitz, cuja complexidade mais pode convidar à união de esforços. Pioneiros de assumida pós-produção digital, o seu trabalho vive também da contenção de adereços, de obsessiva atenção ao make-up e cabelos, servida por completa eficácia de iluminação. Sempre com o foco na aparência do modelo, que ganha absoluta e inquietante perfeição. Na Vanity Fair de Novembro, Penélope Cruz faz capa em mais um notável ensaio da dupla, que a reinterpreta à luz do grande glamour da era dourada de ícones como Rita Hayworth e Ava Gardner.
Mert Alas, de origem turca, e o inglês Marcus Piggott, ambos nascidos em 1971, iniciaram colaboração em  1994. E sim, para além da parceria fotográfica, existe entre ambos um relacionamento amoroso. Os relatos de quem os vê trabalhar contam que alternam a tomada de vistas à vez, sem nenhum guião predefenido, inviabilizando completamente as tentativas de atribuição desta ou daquela imagem a um ou a outro. 
É esta comunhão visual, que parece situar-se fora dos afectos, que acho interessante. Veja-se que Diane Arbus era casada com o fotógrafo Allan Arbus, sem que nenhuma produção conjunta de relevo (exceptuando as lineares encomendas comerciais) seja conhecida. No caso de Helmut Newton, a sua mulher June (aka Alice Springs), trilhou carreira por mérito próprio, afastada do imaginário do marido.


A plena confiança na visão estética do outro parece assim mais dificil de obter do que a da relação amorosa. Quando se faz o pleno, deve ser muito agradável.
Mais da dupla, aqui.

1.11.09

SEXO E PÍXEIS.

 





























©paulo alexandrino 2009



Modorrenta tarde de sábado, a senhora e a menina abalaram para um casamento, bola na tv só mais à noitinha. Ocasião ideal para  excursão ao mundo do erotismo, na procura de um momento de "Arte & Ensaio", que fica sempre bem. No Salão Erótico de Lisboa o ambiente, é como seria de esperar, visualmente estimulante. Os Artistas (e uso a expressão sem ponta de ironia), são na sua maioria muito profissionais, atraentes, competentes e empenhados. Pareceu-me no entanto, que a pouca produção do ambiente industrial do gigante pavilhão da FIL, cortava um pouco o que antecipava ser a atmosfera de um evento do género. Partilhei esta reflexão com o Sr. do stand da Louça das Caldas (a quem adquiri por 3€ um vigoroso frade), que me afiançava, com a autoridade de quem corre todas as feiras eróticas ibéricas, que esta nossa é das mais categorizadas. Em Espanha, relata-me , "as mulheres são uma miséria". Mais uma machadada na mania de dizer mal do que é nosso.


Em termos fotográficos, para além dos talentos em registo autoral, as hostes dividem-se entre os profissionais que abnegadamente documentam o evento, e hordas entusiasmadas de "cidadãos repórteres". Estes últimos recorrem essencialmente a aparelhos foto DSLR e compactos de gama média, (com assinalável presença dos sensores 4/3, excelentes na relação qualidade preço), e a sofisticados telemóveis onde os Sony e os Nokia fazem valer as suas assinaláveis performances fotográficas. Iphones e Blackberrys levam neste departamento bigode das marcas mais antigas. Todos beneficiam do desconcertante à vontade e paciência dos actores e actrizes, que não perdem a compostura nem quando alguns "chaussers d`images" mais voluntariosos quase introduzem os telemóveis em locais reservados à actividade lúdico-profissional.


Uma palavra final para o numeroso e descontraído público, sendo de saudar a elevada presença de casais em espirito de convívial e galhofeira boa disposição. Parabéns à organização do simpático certame que já se constituiu como um bom costume sazonal. Mais fotos de uma tarde educativa para ver aqui

29.10.09

ROY DECARAVA, O POETA DO HARLEM



1963. John Coltrane por Roy DeCarava ©





“One of the things that got to me, was that I felt that black people were not being portrayed in a serious and in an artistic way.”
 Roy DeCarava, in New York Times.

Se Josef Sudek era "O poeta de Praga", Roy DeCarava devia ter o epiteto de "O poeta do Harlem", ou se se quiser ser mais gongórico, o de um quase Obama da fotografia norte-americana. Situemos-nos; nascido em 1919, DeCarava foi o primeiro negro a impor-se na cena fotográfica contemporanea. Essencialmente através de uma documentação empenhada do seu Harlem natal, num registo que se projecta bem além da Street Photography,  feito de subliminares interpetrações plásticas do quotidiano do caldeirão sócio-cultural do mítico bairro nova-iorquino, com normal incidência na trepidante cena jazz. Protegido de  Edward Steichen, abre nos anos 50 a  "A Photographer`s Gallery",  casa afamada por ser um dos primeiros espaços expositivos nova iorquinos a celebrar exclusivamente a Grande Fotografia. Polémico qb, nunca fez cedências ao mainstream, antes perseguiu coerente e singular assinatura. Tinha o raro talento do dominio técnico que lhe permitiu ser um dos muito poucos que, jamais usando flash, conseguia sistemáticamente que os seus clichés respirassem numa envolvente e densa paleta de cinzas e negros profundos, de onde a vida lentamente emerge.


Fui apresentado à sua obra nos idos de 80 na cooperativa Árvore no Porto, onde pontificavam no corpo docente uns seus acirrados admiradores. Confesso com vergonha que quase me tinha esquecido deste talento, até tropeçar no jornal da sua aldeia, em mais um obituário, este sem as fanfarras de passamentos recentes.
Mas vou (vamos) sempre a tempo de voltar a pasmar perante este miraculoso Coltrane, que sopra no seu sax como se não houvesse amanhã. Para quem não conhece, urge visitar portofolio no Lens, e info variada aqui.

26.10.09

A PINA O QUE É DE PINA.



                                                               Rio de Janeiro. © João Pina

Há uns anos atrás, desloquei-me à AR para uma sessão foto com o então governante Joaquim Pina Moura.
Que me submeteu a uma  barragem de perguntas acerca do ofício de fotógrafo independente, das dificuldades e contigências de exercer a profissão no mercado nacional. O interesse justificava-se, pois tinha um filho que manifestava irreprimível empenho em profissionalizar-se, o que compreensívelmente lhe causava alguma preocupação. Respondi o melhor que pode e soube e rematei com alguma sobranceria que, por regra geral, o mercado permite a sobrevivência aos que apresentam qualidade.




Estava longe de imaginar o que dali ia sair. João Pina rápidamente se afirmou como um dos mais fulgurantes talentos da sua geração, colecionando prémios, honrarias e granjeando reconhecimento público. Precisamente por não se querer submeter apenas à sobrevivência num mercado recessivo e madrasto,  arrisca e ganha a aposta numa consequente carreira internacional. Etapa deste percurso são as suas imagens das  favelas do Rio, assunto ao qual se dedica há um par de anos. Uma dessas reportagens foi inicialmente publicada na augusta New Yorker, e recentemente difundida no "El Pais". Significativamente, ainda nenhum jornal nacional assegurou a sua publicação. Lá se confirma a elegante eficácia com que Pina obtem a dificil simbiose entre o plasticizante e o informativo, mostrando a maturidade dos grandes talentos. Trocado por míudos, parece fácil. Mas não é.




Bom Salieri que sou, vivo feliz com o talento alheio. E é necessário reconhecer que Pina é somente um dos empenhados fotógrafos que integram a KameraPhoto, agência lusa que paulatinamente tem imposto no mercado nacional um certo fotojornalismo "engagé", o que só por si já é coisa de respeito.
Dezenas de outros talentos, a inventariar em futuras ocasiões, povoam a cena fotográfica nacional, a maioria assoberbados por tarefas de ingrata e rotineira agenda e edição numa imprensa escrita que receio agonizante.




Um abraço para todos. Mas, e até porque ser fotógrafo é essencialmente um ofício solitário, o momento é de João Pina.

19.10.09

FOTÓGRAFOS, VIDEÓGRAFOS E AFINS; CONTRIBUIÇÃO PARA UM DEBATE


O fotojornalista videógrafo Danfung Dennis algures no Afeganistão com a 
sua Canon 5d MkII  vestida para filmar. ©Joe Raedle/Getty


O problema que mais aflige a profissão, com especial incidência no fotojornalismo,  é a actual diminuição dos "fees", tanto em termos relativos como absolutos,  comparativamente ao que se auferia ainda há meia dúzia de anos. Tendência internacional, afigura-se como inelutável à maioria dos profissionais, que veem a sua dignidade posta em causa. Os grandes fabricantes japoneses de material fotográfico pressentiram o sangue, e tem desenvolvido em anos recentes uma panóplia de produtos hibrídos que partem de um berço "foto" para capacidades de registo videográfico cada vez mais performante. Vão naturalmente de encontro às expectativas de parte de uma classe no seu todo muito receptiva aos avanços tecnológicos, que tende a ver no video o prolongamento natural do seu mister, se bem que por razões diversas.


Assim, as hostes dividem-se entre aqueles, que como o muito nosso Manuel Almeida, acham genuinamente que a videografia é um media que em dadas circunstâncias é o prolongamento natural das suas capacidades de "storytelling". E outros, que mais comercialmente orientados, abraçam os novéis suportes de uma maneira mais pragmática. Como declaração de intenções, digo que caso chegue a tal, incluir-me-ei nesta segunda categoria. Mas a nuvem que ameaça o fotojornalismo tradicional, fácilmente faz chover sobre este  mundo. Ou seja, para alem da necessidade incontornável de seguir as piruetas da tecnologia, urge séria reflexão colectiva acerca da maneira mais eficaz de cobrar ao mercado este "upgrade" do produto visual fornecido. 

É minha sincera opinião que, ao avançar com excessivo voluntarismo, se corre o risco de "estragar" um outro mercado que tem os seus agentes estabelecidos, a juntar ao já tão maltratado campo da "still photography".

Sobretudo numa realidade como a nossa, cheia de contabilistas editoriais de mercearia, devidamente acolitados por um naipe de chefias intermédias entaladas entre a espada dos chefes e a parede dos indíos. E que como todos, navegam à vista.

À consideração  da plateia e com a devido agradecimento aos "links" do sempre atento David Clifford, pela inspiração para esta entrada.

17.10.09

ACERCA DA " STREET PHOTOGRAPHY" E DAS SUAS VÍTIMAS.























©Bruce Gilden in "A Beautiful Catastrophe"

A disciplina fotográfica mais polémica na relação entre fotógrafo e fotografado, o direito à imagem e à privacidade, deve ser a chamada "Street Photography". Conheço poucos fotógrafos que em dado momento não tenham feito incursão neste género, que quando feito com honestidade é dificil e sofrido, por, como bem sumariza a nossa camarada Anabela Oliveira, ser preciso a coragem "para ir lá, sujeitar-se a ser agredido como, no fundo, podemos estar a agredir os fotografados."


Não sei se esta interessante reflexão ética faz parte das preocupações do fotógrafo da Magnum Bruce Gilden (Brooklin, 1946), um dos expoentes máximos do género, cujo registo é particularmente cru. As "vítimas" que caça nas mais variadas latitudes aparecem maioritáriamente com um ar de desconchavo fatal, espécie de "Fellini meets Diane Arbus by Stephen King". Gilden esteve há alguns anos em Portugal, onde produziu, fiel á sua estética, uma série notável, junto da comunidade cigana de Braga. Quem o conheceu diz-me que é o arquétipo do Nova Iorquino à lá Woody Allen, neurótico, mas muito divertido. E  alheado q.b. do recorrente debate que a sua práctica inevitávelmente desencandeia.


Por mim, se fosse seu defensor, advogaria que o seu trabalho, ao documentar fragmentos de uma sociedade viva e mutável, num dado espaço e tempo, tem a valia de um August Sander.
Se fosse seu detractor diria que Gilden não passa de um predador visual que não hesita em sacrificar a dignidade dos seus semelhantes à sua própria visão social apocalíptica.
Mas a perplexidade e o fascínio que a sua produção e  modus operandi me causa, não me facilita a sentença. Diz o próprio num depoimento a propósito da sua série no Haiti em 1985 que, "When a viewer looks at my pictures, I just hope that they make up a story about what goes on."
Justo. Olho então para a personagem da direita da "dupla" acima reproduzida, extraida do seu celebrado livro "A Beautiful Catastrophe"; e a história que faço é a de uma cidadã, que já teve da vida a sua dose de misérias, má sorte e chatices sortidas, e que dispensaria a honra de se ver dada à estampa, em papel couché e nas boas galerias, como actriz involuntária de um projecto visual que inventaria "the human zoo that is New York".


Certeza só tenho que isto da fotografia tem que se lhe diga.

15.10.09

OS INSTANTES EM QUE NADA SE DECIDE.


Hiroshi Sugimoto, in "Theaters"
                                     



Todas as prácticas fotográficas têm razões de sedução.  Por mim, tanto pasmo com o olho nervoso do Ronis que congela o "instante decisivo" como me hipnotizo com as paisagens maritimas de Hiroshi Sugimoto (Tóquio, 1948), onde nada se passa, nem o tempo. 

Uma das imagens a que volto sempre, é precisamente de Sugimoto. Este japonês (in)tranquilo é practicante exímio de uma certa  introspecção visual alucinatória, assente em notáveis "tour de force" técnicos. Fotografa até hoje em pelicula de grande formato, suporte que "fala" naturalmente com esta tal foto da sua série "Theaters" dos anos 70. A hora e meia, ou coisa assim, que durou a exposição, é um longo instante em que nada se decide. As imagens projectadas na tela dissolvem-se num "white noise", que transmuta a narrativa directamente para o curso que a nossa imaginação lhe quiser dar. 

Que será sonho ou pesadelo,  a decidir, (ou não) nos longuíssimos instantes da nossa individualidade mais inconfessável.


Conhecer mais de Hiroshi Sugimoto, aqui e aqui.

7.10.09

IRVING PENN. OS BONS MORREM VELHOS.


                      Lisa Fonssagrives por Irving Penn


Tem sido um ano aziago, cheio de partidas de grandes senhores da fotografia. Primeiro Julius Shulman, depois Willy Ronis, e agora foi a vez de Irving Penn, gigante da moda, retrato e arredores.


Para além de tudo o mais, Penn sempre me foi um personagem simpático. Quando uma vez, já artista consagrado um entrevistador lhe perguntou o sacramental "Senhor Penn, o que o leva a fotografar?", disparou a mais sincera das respostas, que o pedantismo e insegurança veda aos talentos remediados: "Porque é o que sei fazer de melhor para me sustentar a mim e à minha familia".


Quanto à sua obra, a melhor homenagem que podemos fazer é olhar e olhar e voltar a olhar. Aqui é um bom sítio para começar.
Em nota de rodapé, nota-se que Schulman morreu aos 98 anos. Ronis aos 99. E agora Penn passou-se aos 92 ( e ainda teve a boa ventura de se poder casar com a sua modelo favorita, a deslumbrante Lisa Fonssagrives); parece que tirar boas fotografias ajuda à longevidade.
Pessoal, tudo para trás da máquina com entusiasmo e honestidade. Muitos vamos morrer cedo, mas pelo menos tentámos.

3.10.09

ANJO OU DEMÓNIO: A FOTO QUE EU GOSTAVA (MESMO) DE TER FEITO.




                                                                                                    Ralph Gibson, in "The Somnambulist"



Muito resumidamente,  o  norte-americano Ralph Gibson (Los Angeles, 1939), é uma espécie de pássaro raro no panorama fotográfico,  um daqueles tipos que ao longo de uma carreira melhor conseguiu firmar o que se convenciona chamar de uma singular “assinatura” visual.
Filho de um assistente de realização de Hitchcock, as suas visitas juvenis aos estúdios  da Warner Brothers gravaram-lhe na retina a luz com que o mestre “dourava” os seus clássicos a preto e branco.
Nos anos 60 trabalha como assistente de Dorothea Lange e Robert Frank, o que só por si seria para muitos outros currículo bastante.
Discreto, não faz parte dos nomes mais reconhecíveis pelo grande público, mas é Comendador da Ordem das Artes e Letras de França, e os seus clientes comerciais são os nomes mais topo possível da indústria da moda e do luxo.
Acerca do seu trabalho pessoal, largamente celebrado, diz coisas tão limpidas como, “I really believe that the problem for me is for me to perceive something clearly, and it doesn’t matter where I am. I’ve been in Japan, I’ve been all over the world and I come back with the same photographs. It appears that wherever I go I tend to bring my vision with me.”

De todas as fotos que vi até hoje, a que sempre mais me assombrou, aquela que eu de facto gostaria de ter imaginado, é esta imagem da sua fabulosa série “The Somnambulist”,  que já nos anos 70 lhe granjeou uma audiência.


Não sei se é de anjo ou demónio a mão que entreabre aquela porta, que a vezes me atrai ou faz fugir.
Mas um dia vou saber.

26.9.09

NO QUARTO DO FILHO OU HOMENAGEM À MÃE DE UM MORTO.


                        















No quarto do Diogo.  © paulo alexandrino 2004



Um fotógrafo profissional é um profissional da fotografia. Serve a redundância imbecil  para estabelecer o paralelismo com outras classes profissionais ( vide enfermeiros e demais pessoal médico) para as quais  o não cruzamento entre a vida profissional e pessoal é condição primeira para o equilibrio mental no quotidiano.
A minha natureza sempre me defendeu, para o bem e para o mal, de ser demasiado afectado por variados assuntos em que me vi envolvido enquanto  espectador/testemunha durante uma considerável experiência de repórter-fotográfico.


No entanto, aqui há uns poucos anos rumei a Famalicão a pedido do Rui Xavier, então editor da Grande Reportagem, para ilustrar uma peça da sempre incómoda Felícia Cabrita acerca de um míudo que tinha morrido na sequência das divertidas e tradicionais praxes académicas, que nesta precisa altura campeiam pelo país inteiro.
E uma tarde com aquela mãe que, indiferente á minha presença, chorava em silêncio ao folhear o álbum de fotos de familia, e que me deixou só no quarto do filho morto mas nunca enterrado, ficou até hoje às voltas na minha memória.
Lembro-me de me ter despedido dela com votos de que "algum dia possa encontrar a Paz".


Não acredito que a tenha encontrado agora, quando os tribunais, pelas instâncias cíveis lhe dão sinal de que a Justiça havia falhado nas instâncias criminais.


Mas pelo menos na sua tenaz luta, talvez tenha contribuído para que uma futura geração de caloiros possa estar mais abrigada da brutal e soez estúlticia com que a Academia aparenta gostar de dourar a sua glória.

Bem haja.

20.9.09

NA "VERNISSAGE" PAULA REGO






















©paulo alexandrino 2009





















É dos livros que os ajuntamentos, sejam lá de que nação forem, são terreno fértil para imagens interessantes.
 A cenográfica mundanidade das "vernissages" dos artistas famosos, com o respectivo desfile de figuras publicadas e a publicar, mais os canapés e a champanhota à descrição a fazer o seu papel, é das ocasiões favoritas de muitos estimáveis profissionais, pela intensidade fotográfica que proporciona.


Quando reflicto no assunto tenho sempre pena que a maioria das revistas de sociedade nacionais se norteie por estéticas pouco ousadas de edição fotográfica, especialmente nas páginas de cobertura de eventos. "Temos de ter fotos desta e daquela e em pose e a sorrir e atenção que se tem de ver o vestido todo mais os sapatos e pátati pátatá".  Esta rigidez resulta na maioria das vezes na imposição de tamanhos freios visuais nos fotógrafos, que acabam por os inibir de "ver" o quadro todo.


Perdem-se imagens interessantes, o que é pena, e desgastam-se fotógrafos, o que é pior.


Mais fotos da inauguração da Casa de Histórias Paula Rego aqui.









15.9.09

DA VIDA SIMPLES DE WILLY RONIS

 
Willy Ronis , Le Nu Provençal, Gordes 1949


 É opinião muito difundida nos meios da arte, que a natureza excessivamente democrática da práctica fotográfica a condena ao estatuto de arte menor.  As derivas do media  que obtêm mais  valorização galeristica, das encenações de Cindy Sheman e Jeff Wall, até toda a panóplia de cruzamentos interdisciplinares correntes e passados, parecem validar esta tese, no que configuram de tendência de fuga de grande parte dos artistas fotógrafos á matriz genética mais elementar da fotografia, ou seja a sua capacidade de suspender de forma espontânea um dado momento no tempo e espaço.

Um dos mais extraordinários e puros executantes desta maneira fotográfica descomplexada, o francês Willy Ronis deixou-nos esta semana, depois de uma vida longa e cheia. Dele fica um legado notável de "instantes decisivos", públicos e privados, muitos deles esssenciais para entender uma parte importante da história de um país (a França) num momento traumático (o pós-guerra) da sua história.


Para mim, e certamente para muitos outros, a sua fotografia de que nunca me vou esqueçer é esta " Nú na Provença" de 1949. Pouco sei das suas circunstancias, e mais não quero saber. Sei que  é um dos mais belos poemas de amor e desejo que já vi, e sobre o qual há muito construí a minha própria história. 
E que gosto de pensar que se Ronis pudesse escolher um momento para levar para o céu dos fotógrafos, seriam estes 60 ou 125 avos de segundo do século passado.


Abençoadas coisas simples.

12.9.09

TRAPOLOGIA NO PORTUGAL PROFUNDO

©paulo alexandrino, 2009

Quem se afasta uns meros 15 km do brilho sazonal da costa em direção ao interior algarvio, entra no chamado "Portugal Profundo", eufemismo que um político hábil desencantou em tempos para caracterizar o atraso económico e cultural endémico que até hoje marca larga parte do "campo" nacional.

A D. Maria Antónia mora neste país, nos arredores de uma pequena aldeia, em modesta habitação num daqueles locais sem nome aonde se chega a custo, seguindo as opacas indicações orais que se conseguem recolher.

70 anos de vida dura não esmoreceram o animo e a vivacidade desta senhora que se apresenta como "trapóloga", por via dos tapetes que fabrica um pouco ás escondidas do "mê maride, que num gosta que eu ma`plique nisto".


E a D. Maria Antónia conjugou a alegria telúrica do discurso, com o olhar altivo e seguro com que enfrentou a objectiva, a fazer inveja a muitas urbanas sofisticadas, e deu-me um bom retrato.

E viemos embora a pensar, eu e a minha amiga e camarada de reportagem Nilza Rodrigues, que tinhamos estado na presença de (mais) uma penalizada dos atavismos nacionais. Na juventude da D. Maria, certamente que o interior algarvio seria uma terra muito mais madrasta e castradora do que é hoje. Noutras circunstâncias, que potencial poderia ter desenvolvido esta senhora, e muitos outros de várias gerações de "isolados"?

De facto, o "Portugal Profundo" é um jargão muito feliz e até divertido. Mas só à superfície.

6.9.09

HÁ REMENDOS NO CÉU.


















©paulo alexandrino


J.G. Ballard, na sua novela distópica "Kingdom Came", tinha-nos chamado a atenção para o fenómeno dos mega centro comerciais enquanto microcosmos autosuficientes, agregadores de todas as pulsões, sempre com o consumo em pano de fundo.

Lembrei-me disto, quando a pedido da "Notícias Magazine" visitei o espaço Kidzania, no recém inaugurado e gigante Dolce Vita Tejo, na periferia de Lisboa.

Em resumo, o Kidzania é uma espécie de parque infantil, que permite aos infantes o "brincar aos crescidos", na vertente da vida urbana contemporanea.
Assim, o Kidzania tem um banco onde os "cidadãos" se dirigem após o ingresso, para ter acesso á sua quota parte de "Kid dinheiro" que depois podem investir em actividades lúdico-formativas, como "tirar" a carta de condução, frequentar um centro de estética, ir á discoteca ou ao supermercado etc. Paralelamente, podem "trabalhar", seja a fazer hamburgers, num hospital, nos CTT ou no INEM, sendo naturalmente recompensados com a quantidade de "Kid dinheiro" que permite o prolongar da experiencia, que conta com a presença de "delegações" da PSP, (com direito a cela de prisão), bombeiros, tribunais e por aí fora, tudo sempre devidamente enquadrado pela presença maçica das mais reconheciveis marcas comerciais do quotidiano "real"

Visualmente, o ambiente tem um toque "
eerie" (lá é sempre de noite e há remendos no céu), um pouco David Lynch, o que torna o espaço muito interessante.

E saí dividido entre os óbvios méritos pedagógicos de algumas das experiencias propostas, e a sensação que estava na presença do "Portugal dos Pequenitos" da idade do consumo, com a Universidade de Coimbra substituida pelo Continente, e a McDonalds a fazer as vezes de Mosteiro da Batalha.

Em todo o caso, interessantes (inquietantes?) sinais dos tempos, cujas imagens convido para ver aqui, e cuja reportagem completa pela pena talentosa da jornalista Carla Susana Rodrigues pode ser lida aqui

16.8.09

Dos bons ventos dos casamentos.



Da esquerda para a direita; Luis Lorenzo Gallego, Danny Tam, Andrew Maccoll e João Carlos.


O corpo da produção fotográfica faz-se naturalmente através das contribuições de multidões de anónimos, dispersos por uma miriade de registos. Os por vezes irónicamente chamados "Bodas & Baptizados", são os representantes de um dos géneros mais perenes, com enorme contribuição para a construção do edificio da coisa fotográfica.
Depois de anos de relativo imobilismo em que a estética oscilava entre um academismo acabado e um pictorialismo kitsh á lá David Hamilton, o género, um dos que mais acompanha a evolução das sociedades, têm-se vindo a renovar. Ao incorporar referências visuais importadas dos campos do fotojornalismo (muito popular entre nós) e da moda, ganhou um novo folego com grande aceitação pública e assinaláveis proventos para os autores.
Sem nunca ter sido practicante, é um género que observo com gosto, sobretudo porque se destina a celebrar a vida, fixando momentos de uma felicidade ritualizada, que em alguns casos até é (lamentávelmente) o melhor momento de um casamento...

Para melhor ilustrar este post convido o leitor a visitar aqui a galeria de fotógrafos que a Hasselblad selecionou, para a edição 2009 dos seus prémios de excelência fotográfica "Victor", na categoria de "Wedding and Social".

E aonde está presente (ligeiramente off topic) o notável talento de João "Milkman" Carlos, fotógrafo Luso, cidadão do mundo e autor de multifacetada e estimulante produção.

Bons ventos e bons casamentos.

15.8.09

O cão, o cervo, e o marketing nacional.








































©paulo alexandrino


No seguimento do relato dumas férias gaulesas, não resisto a partilhar uma "petit histoire", que remete para a imagem com que Portugal ainda é percebido por aquelas latitudes.
Em périplo pela Bretanha, as minhas inelutáveis tendencias burguesas arrastaram o agregado familiar para uma estadia no aprazivel dominío de Guiguilfin, nas cercanias de Quimper. No coloquial pequeno almoço que se seguiu á pernoita, o nosso anfitrião, um simpático e ultracivilizado sexagenário, conseguiu proferir umas sinceras opiniões acerca do humilde Portugal, através da eloquente comparação entre uns pedreiros portugueses que em tempos houvera contratado, gente da maior doçura e maneabilidade, apenas algo imprevísivel nos humores, e que contrastava vivamente com uns outros operários espanhóis, de um trato muito mais rebervativo.
Retorqui com elegante sugestão de visita ao Vale do Douro, onde o senhor de Guiguilfin se poderia hospedar em propriedades que não desmerciam da sua, e onde seria acolhido com pelo menos igual fidalguia. A esposa do senhor, percepcionando uma surda gaffe, alinhou um discurso acerca duma qualquer estátua de um cervo, importada da Polónia, e a coisa continuou em amena cavaqueira.
Fiquei a remoer que a projeção cultural e económica dum país depende fatalmente da sua imagem percebida, e com dúvidas que as nossas autoridades máximas tenham nesse campo uma estratégia eficaz nos mercados internacionais vitais.

E ainda, confesso com vergonha, ter pensado que caso viajasse em regime de autoférias, não me faltaria vontade de empalmar a "Phoebus", a cadela do senhor de Guigilfin, que como qualquer fotógrafo sabe, nem sequer é raça Bretã, antes um Braco de Weimar, estirpe alemã, celebrizada pelo grande
William Wegman. Era a questão da fama e do proveito, e lá contribuia eu para o desgraçado marketing nacional.

Em cima, o cão, o cervo e o domínio.

31.7.09

Ficar mal na fotografia: Edgar Martins e o NYT

Edgar Martins, The Ruins of the Gilded Age




Edgar Martins (EM) é um artista plástico, de fulgurante sentido visual, que se socorre do suporte fotográfico para reinterpretações do real, ao serviço de construções intelectuais mais ao menos complexas, mas certamente não tão estimulantes como os resultados finais que apresenta.

Convidar um personagem destes para um projecto de fotografia que se pretende estritamente documental é pedir sarilhos; assim, começou por estar mal o New York Times (NYT), sempre na procura de cauções artisticas, (EM é - meritóriamente - um dos golden boys da art photography actual), mas também não esteve bem o próprio Martins, que certamente motivado pelo prestígio adicional de uma sumarenta exposição no mainstream mediático do NYT, não acautelou devidamente as regras do jogo, fazendo vista grossa ao que seriam as óbvias expectativas editoriais de uma instituição como o NYT.

Deu asneira, como era previsível, e abriu discussões assanhadas e cheias de bílis, entre fotojornalistas, artistas fotógrafos, técnicos de photoshop, critícos de arte e quem mais achou por bem vir a terreiro.

A polémica, sem ser um valor em si mesmo, é muitas vezes bem vinda, por via do debate de ideias; mas neste caso, a minha certeza é outra; toda esta parte gaga foi um mau momento para a fotografia, toda junta e por atacado. Uma disciplina que ainda hoje luta pelo reconhecimento de um estatuto de arte maior não pode dar o flanco desta forma desastrada. Edgar Martins e os seus arautos deviam ter melhor consciência disto.

Para finalizar, decidi partilhar estas reflexões na seqûencia da divulgação ontem no blogue Arte Photographica, de um longo texto de Martins sobre o caso em apreço; e devo dizer o seguinte;
embora bem vindas, as explicacões de EM estão atulhadas em justificações que se socorrem de uma erudição excessiva, deslocada, e em alguns casos, lamento dize-lo, francamente bacoca.

EM fotografa e produz imagética, muito melhor do que escreve. E é isso, que para prazer de todos nós deve continuar a fazer. Sempre com bom senso e sensibilidade.

26.7.09

As gémeas do nosso contentamento
















Da esquerda para a direita, Diane Arbus, Identical Twins, New Jersey, 1967; Mary Ellen Mark, Heather and Kelsey Dietrick, 7 years old, Kelsey older by 66 minutes, 2002
A propósito do aniversário da morte de Diane Arbus, é interessante reflectir que por vezes em fotografia, se aplica na perfeição o adágio "quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto".
Atente-se na assombrosa e assombrada imagem de capa da mítica monografia de Arbus publicada pela Aperture em principios dos anos 70. As inquietantes gémeas, com a sua estranheza de mãos, sorrisos de Gioconda e pose de meninas do "Shining", fazem uma daquelas fotos que nunca se esquecem.
Passados 30 anos outra grande fotógrafa, Mary Ellen Mark, visitou em dois anos consecutivos um "festival" de gémeos (e de trigémeos e de quadrigémeos e por aí adiante), a ocorrer numa localidade apropriadamente chamada Twinsburg. Recolheu lá material para "Twins", um dos seus mais celebrados livros, publicado pela mesmíssima Aperture Foundation.
Não sei se as gémeas de 1967 foram o leitmotiv para o projecto de 2002, mas sei que se acreditasse no além não podia deixar de achar que o espirito de Arbus pairou nas sessões de Twinsburg sobre os ombros de Mary Ellen Mark, sussurrando os segredos de quem sabe que a aparencia humana é uma máscara.

20.7.09

Três cadeiras e os seus homens.



De cima para baixo; João Rendeiro, Miguel Pais do Amaral, João Talone. Para "Exame".
©paulo alexandrino, 2007


Nos últimos anos, o género fotográfico para que tenho sido mais solicitado, cabe em traços gerais na definição de "retratos". Impôe-se, a bem da honestidade intelectual, o contraponto entre a definição etimológica do género e a forma tal como é correntemente practicado, com mais ou menos engenho, por mim e por 99% dos "retratistas" de imprensa.
Isto é; de retrato, no sentido clássico e romântico do termo, i.e, no que tem de "prescrutar a alma" e expor a personalidade do visado, a coisa tem pouco.
Parto (partimos) para cada encomenda, com uma percepção razoávelmente construida da imagem mais ou menos pública do visado, que depois, diligentemente, se tenta capitalizar e transformar numa forma que possa seduzir o espectador, sem nunca se afastar demasiado do que será a expectativa da entidade contratante e do seu público. Entramos então na vida da "vítima", como um autêntico furacão (faça isto, aquilo, agora assim, assado, aqui, ali), durante uns bons 20 a 30 minutos, findo os quais, arrumamos a tenda e nos despedimos cortêsmente até uma próxima oportunidade, que pode ser no dia de S. Nunca à Tarde, muitas vezes com a promessa, nem sempre cumprida, do envio de umas quantas fotos, como agradecimento da disponibilidade demonstrada.
...
No entanto, por vezes e de uma maneira quase fortuita, aparecem nas formas mais simples, sinais interessantes.
É nisto que penso, quando vejo esta "tripla" de retratos, que à coisa de ano e meio me foi encomendada pela "Exame". Tratava-se de retratos individuais de três importantes gestores da cena nacional, que se destinavam a ser "recortados" para uma montagem para a capa da dita "Exame". Quando lhes peço, por uma questão funcional, para se apoiarem numa qualquer cadeira que por ali estivesse é que surgem (ou não) as pistas: será que o carácter eminentemente utilitário da cadeira de João Talone, reflecte uma abordagem pragmática da vida e dos negócios?
E a cadeira, mais floreada e clássica de Pais do Amaral, diz-nos ou não algo das suas origens e da sua postura de "gentleman driver"? E será que a cadeira de "design", com o primado da forma sobre a função, com que João Rendeiro posa, nos dá pistas ou não, da forma como os deuses da fortuna deixaram de lhe sorrir?
De facto, nós somos nós e os nossos sinais. Ou qualquer um poderia ter a cadeira de um outro?