26.9.09

NO QUARTO DO FILHO OU HOMENAGEM À MÃE DE UM MORTO.


                        















No quarto do Diogo.  © paulo alexandrino 2004



Um fotógrafo profissional é um profissional da fotografia. Serve a redundância imbecil  para estabelecer o paralelismo com outras classes profissionais ( vide enfermeiros e demais pessoal médico) para as quais  o não cruzamento entre a vida profissional e pessoal é condição primeira para o equilibrio mental no quotidiano.
A minha natureza sempre me defendeu, para o bem e para o mal, de ser demasiado afectado por variados assuntos em que me vi envolvido enquanto  espectador/testemunha durante uma considerável experiência de repórter-fotográfico.


No entanto, aqui há uns poucos anos rumei a Famalicão a pedido do Rui Xavier, então editor da Grande Reportagem, para ilustrar uma peça da sempre incómoda Felícia Cabrita acerca de um míudo que tinha morrido na sequência das divertidas e tradicionais praxes académicas, que nesta precisa altura campeiam pelo país inteiro.
E uma tarde com aquela mãe que, indiferente á minha presença, chorava em silêncio ao folhear o álbum de fotos de familia, e que me deixou só no quarto do filho morto mas nunca enterrado, ficou até hoje às voltas na minha memória.
Lembro-me de me ter despedido dela com votos de que "algum dia possa encontrar a Paz".


Não acredito que a tenha encontrado agora, quando os tribunais, pelas instâncias cíveis lhe dão sinal de que a Justiça havia falhado nas instâncias criminais.


Mas pelo menos na sua tenaz luta, talvez tenha contribuído para que uma futura geração de caloiros possa estar mais abrigada da brutal e soez estúlticia com que a Academia aparenta gostar de dourar a sua glória.

Bem haja.

20.9.09

NA "VERNISSAGE" PAULA REGO






















©paulo alexandrino 2009





















É dos livros que os ajuntamentos, sejam lá de que nação forem, são terreno fértil para imagens interessantes.
 A cenográfica mundanidade das "vernissages" dos artistas famosos, com o respectivo desfile de figuras publicadas e a publicar, mais os canapés e a champanhota à descrição a fazer o seu papel, é das ocasiões favoritas de muitos estimáveis profissionais, pela intensidade fotográfica que proporciona.


Quando reflicto no assunto tenho sempre pena que a maioria das revistas de sociedade nacionais se norteie por estéticas pouco ousadas de edição fotográfica, especialmente nas páginas de cobertura de eventos. "Temos de ter fotos desta e daquela e em pose e a sorrir e atenção que se tem de ver o vestido todo mais os sapatos e pátati pátatá".  Esta rigidez resulta na maioria das vezes na imposição de tamanhos freios visuais nos fotógrafos, que acabam por os inibir de "ver" o quadro todo.


Perdem-se imagens interessantes, o que é pena, e desgastam-se fotógrafos, o que é pior.


Mais fotos da inauguração da Casa de Histórias Paula Rego aqui.









15.9.09

DA VIDA SIMPLES DE WILLY RONIS

 
Willy Ronis , Le Nu Provençal, Gordes 1949


 É opinião muito difundida nos meios da arte, que a natureza excessivamente democrática da práctica fotográfica a condena ao estatuto de arte menor.  As derivas do media  que obtêm mais  valorização galeristica, das encenações de Cindy Sheman e Jeff Wall, até toda a panóplia de cruzamentos interdisciplinares correntes e passados, parecem validar esta tese, no que configuram de tendência de fuga de grande parte dos artistas fotógrafos á matriz genética mais elementar da fotografia, ou seja a sua capacidade de suspender de forma espontânea um dado momento no tempo e espaço.

Um dos mais extraordinários e puros executantes desta maneira fotográfica descomplexada, o francês Willy Ronis deixou-nos esta semana, depois de uma vida longa e cheia. Dele fica um legado notável de "instantes decisivos", públicos e privados, muitos deles esssenciais para entender uma parte importante da história de um país (a França) num momento traumático (o pós-guerra) da sua história.


Para mim, e certamente para muitos outros, a sua fotografia de que nunca me vou esqueçer é esta " Nú na Provença" de 1949. Pouco sei das suas circunstancias, e mais não quero saber. Sei que  é um dos mais belos poemas de amor e desejo que já vi, e sobre o qual há muito construí a minha própria história. 
E que gosto de pensar que se Ronis pudesse escolher um momento para levar para o céu dos fotógrafos, seriam estes 60 ou 125 avos de segundo do século passado.


Abençoadas coisas simples.

12.9.09

TRAPOLOGIA NO PORTUGAL PROFUNDO

©paulo alexandrino, 2009

Quem se afasta uns meros 15 km do brilho sazonal da costa em direção ao interior algarvio, entra no chamado "Portugal Profundo", eufemismo que um político hábil desencantou em tempos para caracterizar o atraso económico e cultural endémico que até hoje marca larga parte do "campo" nacional.

A D. Maria Antónia mora neste país, nos arredores de uma pequena aldeia, em modesta habitação num daqueles locais sem nome aonde se chega a custo, seguindo as opacas indicações orais que se conseguem recolher.

70 anos de vida dura não esmoreceram o animo e a vivacidade desta senhora que se apresenta como "trapóloga", por via dos tapetes que fabrica um pouco ás escondidas do "mê maride, que num gosta que eu ma`plique nisto".


E a D. Maria Antónia conjugou a alegria telúrica do discurso, com o olhar altivo e seguro com que enfrentou a objectiva, a fazer inveja a muitas urbanas sofisticadas, e deu-me um bom retrato.

E viemos embora a pensar, eu e a minha amiga e camarada de reportagem Nilza Rodrigues, que tinhamos estado na presença de (mais) uma penalizada dos atavismos nacionais. Na juventude da D. Maria, certamente que o interior algarvio seria uma terra muito mais madrasta e castradora do que é hoje. Noutras circunstâncias, que potencial poderia ter desenvolvido esta senhora, e muitos outros de várias gerações de "isolados"?

De facto, o "Portugal Profundo" é um jargão muito feliz e até divertido. Mas só à superfície.

6.9.09

HÁ REMENDOS NO CÉU.


















©paulo alexandrino


J.G. Ballard, na sua novela distópica "Kingdom Came", tinha-nos chamado a atenção para o fenómeno dos mega centro comerciais enquanto microcosmos autosuficientes, agregadores de todas as pulsões, sempre com o consumo em pano de fundo.

Lembrei-me disto, quando a pedido da "Notícias Magazine" visitei o espaço Kidzania, no recém inaugurado e gigante Dolce Vita Tejo, na periferia de Lisboa.

Em resumo, o Kidzania é uma espécie de parque infantil, que permite aos infantes o "brincar aos crescidos", na vertente da vida urbana contemporanea.
Assim, o Kidzania tem um banco onde os "cidadãos" se dirigem após o ingresso, para ter acesso á sua quota parte de "Kid dinheiro" que depois podem investir em actividades lúdico-formativas, como "tirar" a carta de condução, frequentar um centro de estética, ir á discoteca ou ao supermercado etc. Paralelamente, podem "trabalhar", seja a fazer hamburgers, num hospital, nos CTT ou no INEM, sendo naturalmente recompensados com a quantidade de "Kid dinheiro" que permite o prolongar da experiencia, que conta com a presença de "delegações" da PSP, (com direito a cela de prisão), bombeiros, tribunais e por aí fora, tudo sempre devidamente enquadrado pela presença maçica das mais reconheciveis marcas comerciais do quotidiano "real"

Visualmente, o ambiente tem um toque "
eerie" (lá é sempre de noite e há remendos no céu), um pouco David Lynch, o que torna o espaço muito interessante.

E saí dividido entre os óbvios méritos pedagógicos de algumas das experiencias propostas, e a sensação que estava na presença do "Portugal dos Pequenitos" da idade do consumo, com a Universidade de Coimbra substituida pelo Continente, e a McDonalds a fazer as vezes de Mosteiro da Batalha.

Em todo o caso, interessantes (inquietantes?) sinais dos tempos, cujas imagens convido para ver aqui, e cuja reportagem completa pela pena talentosa da jornalista Carla Susana Rodrigues pode ser lida aqui