2.5.10

OH NÃO! MAIS UM PORTFÓLIO DE FÁTIMA.

          Santuário de Fátima, Setembro de 2004 © Paulo Alexandrino

Ah pois é, mas eu também sou filho de Deus.  E os terrenos da Fé são sempre férteis para os fotógrafos, mesmo os de talento remediado. Seja como for, o conjunto de imagens que pode ver aqui na totalidade,  não é momento de "arte & ensaio", mas um salteado de reportagens recentes para a Notícias Magazine, Notícias Sábado e Readers Digest, na companhia dos bons camaradas de escrita Ricardo Rodrigues, Samuel Alemão e Mário Costa.

Com o Mário, vi na estrada que os peregrinos de hoje estão mais bem  equipados e calçados, sabem da importancia dos alongamentos e das massagens, e que as eficazes brigadas de apoio continuam a servir sólidas sardinhadas bem regadas nas pausas da jornada. E que no Santuário, a Procissão de Joelhos continua inelutável,  agora sob o olhar tutelar da estátua de João Paulo II e da modernidade da Igreja da Santíssima Trindade, novos ícones do recinto.
Nos bastidores, vimos fabricar as hóstias que as multidões consomem aos milhões, e conduziram-nos  pelas entranhas da moderna fornalha que recicla a cera das toneladas de velas como as que aquela mulher de branco vê consumir em longo alheamento.

Tambem gostei, de na companhia do Ricardo ter conhecido Gregória Alarcón, a suave miraculada espanhola, pedra na qual o já partido Padre Luís Kondor assentou a construção do processo de canonização dos videntes de Fátima. A propósito, será que aquele parente de Lúcia, ele próprio uma atração turistica (tendência índio de madeira), ainda recebe os visitantes na casa de infância dos pastorinhos, à porta da qual o merchandising mais ingénuo campeia. 

Também me comovo com as operárias, que nas poucas fábricas que ainda resistem à invasão chinesa, dão corpo à inalterada estética kitsch que desde há décadas atafulha as centenas de pequenas lojas e gigantes armazéns de artigos religiosos que monopolizam o espaço comercial da Vila. Nas quais, com o Samuel, ouvi os lojistas, que como todos os lojistas, se choram do negócio que está fraco, enquanto confirmam que as vendas de tudo o que é efige de João Paulo II dá dez de avanço a qualquer Papa Ratzi que lhe suceda. 

Gosto de tudo isto, tanto como do insondável mistério daquela carioca que abandonou o Rio, e agora saltita feliz  nas ruas de Fátima a arrebanhar clientes para o seu restaurante que tem uma palmeira pintada na parede e o mesmo menu de carne assada e bitoque de todos os outros. Tanto como gosto da maneira afável como o reitor do santuário olha para a camara num dia de inverno em que a chuva realça o brilho dos néons nas ruas tristes. 

Adoro todos estes momentos assim como adoraria  ter encontrado os negativos daquela já longinqua véspera de um 13 de Maio, em que na companhia do meu amigo Luís Villalobos, vi um carteirista incompetente aplicadamente sovado por uma turba alheada do espirito de concórdia cristã que por ali é lei.


Continuarei com as minhas visitas, tão regularmente quanto possa. Até porque a medida a que Portugal se renova está aqui bem à vista, nos usos e costumes de quem visita esta Fátima em que a é um lugar ainda mais estranho.

26.4.10

NELSON NO LABIRINTO DA GENERALA.

    ©Nelson d`Aires 2009. Manuela Ferreira Leite em campanha para as legislativas



 Como já toda a gente sabe,  a primeira edição do prémio Estação-Imagem / Mora, foi um retumbante sucesso. Parabéns e abraços para todos, organizadores, CM de Mora, vencedores e participantes.


Vendo os portfólios premiados, reforça-se a certeza que o fotojornalismo nacional está vivo, de óptima saúde e perfeitamente ao par com o melhor nível internacional.
 E com a devida vénia para o Paulo, o Gonçalo, o Guillaume,  e demais rapaziada, confesso-me particularmente seduzido com o fulgor do trabalho de  Nelson d`Aires na campanha do PSD. Há muito que não via a pantomina inútil a que os politicos em campanha sacramentalmente se submetem, tão eficazmente documentada.  Qual "generala" perdida no seu labirinto, Manuela Ferreira Leite é uma actriz em esforço, que tal como muitos outros, representa uma peça de cujo guião não gosta, cujo texto não sabe, para um público que não compreende,  acolitada por "compères" deslocados que  apenas realçam a violência inútil da situação.
O frio preto e branco de estilete com que o olhar de Nélson nos serve este teatro do absurdo, realça a dignidade apolítica deste ensaio, que assenta mais na elegância intelectual, do que no primado da emoção de que fala a jurada Daphné Anglès ao "i".


Assim, quase que valia a pena haver mais campanhas eleitorais. Quase. Ver todos os premiados aqui.

12.2.10

WORLD PRESS PHOTO 2010; UMA VISTA DE OLHOS.

 


   


 
 De cima para baixo; A manifestante iraniana Neda Agha-Soltan jaz baleada num frame de video amador; "Matadouro" de Tommaso Ausili, e "Katie, Hungry Horse, Montana" de Pieter Ten Hoopen.

Os prémios World Press Photo (WPP) de 2010 tiveram nesta edição alguns pontos dignos de nota. O mais interessante, é a atribuição de uma menção especial a um still frame  de um video amador rodado nos motins pós-eleitorais iranianos, e que o Youtube popularizou globalmente. Sobretudo por David Griffin, membro do júri, se dizer "agradado por o WPP  ter aberto caminho a imagens não-profissionais com significativo impacto no registo histórico visual". Estamos perante o que me parece ser um primeiro ( e lógico e inevitável) passo da veneranda instituição em direção ao cada vez mais inelutável fenómeno do jornalismo visual praticado pelo cidadão-repórter. Abstenho-me de repisar as vantagens que o grande público pode (ou não) tirar deste fenómeno, e os prejuízos e os riscos que não cessam de se agravar para o fotojornalista de "on the spot" e "hard news".
É também curioso verificar que o grande prémio desta edição, também ele captado nas eleições iranianas, situa-se nos antípodas formais do murro no estômago do anterior, parecendo configurar uma vontade do júri de aproximação a um registo mais subliminar, que por seu turno não será certamente consensual entre vasto número dos profissionais.


Trabalho de cidadão repórter é o que não é o ensaio do italiano Tommaso Ausili, 3º classificado de reportagem na categoria  de temas contemporâneosA sua série de um matadouro,  por onde passa a sombra de um terrível humor negro, faz-nos olhar com outros olhos para o bife no nosso prato, funcionando como um surreal e poderoso manifesto vegetariano. Fotografia de causas pura e dura.

Sobreveio-me também no meio desta e das outras habituais imagens-choque, o 2º lugar da categoria de retratos do holandês Pieter Ten Hoopen. É sempre bom ver que, também para o WPP, no meio da carnificina continua a haver lugar para a paixão erótica.
Fim-de-semana prolongado à porta, boa ocasião para ver tudo isto.

6.2.10

DINIZ MACHADO, O TÓPÊ, E A PERENIDADE DA BELEZA E DO TALENTO.

                                                          O Tópê, fotógrafo (in)tranquilo.


Li algures uma citação do saudoso Diniz Machado, que a propósito destes acelerados tempos de constantes mudanças tecnológicas e de costumes, dizia que o homem contemporâneo sente um inapelável sentimento de desancoramento e perda, face a uma realidade que requer reinterpetrações constantes.
Lembrei-me disto ao visitar a exposição que o António Pedro Ferreira mostrou recentemente na Kgaleria, que era balsâmica e retemperadora em relação a estas angústias. A (in)tranquila elegância formal daqueles 35 mm integrais a preto e branco, com o seu belo grão, sábiamente preenchidos de ponta a ponta, e que denunciam sem gritar uma realidade madrasta, fizeram-me lembrar (a mim e certamente a muitos da minha e de outras gerações), a razão porque, num dia cada vez mais distante, me deixei seduzir pela fotografia. 
E reforçar a certeza de que a beleza e a qualidade plástica, seja em que disciplina for, é imune aos modismos visuais e à vertigem tecnológica. De parabéns o nosso querido Tópê, e também a Kgaleria, por nos ajudarem a relembrar estas evidências.

Saber tudo, aqui.

31.1.10

IPAD, FOTÓGRAFOS, E O HOMEM DOS SETE INSTRUMENTOS.
















Irá o Ipad ser o fim do homem dos sete instrumentos?



O surgimento do  Ipad, é para vários analistas, o pontapé de partida para uma geração de aparelhos que vão suportar com novo fulgor uma produção online irreversivelmente ancorada no multimédia. A ideia é que por exemplo, ao ler um livro num destes aparelhos, determinadas passagens façam uma hiperligação para um outro conteúdo, seja um clip de uma adaptação cinematográfica, uma entrada para uma enciclopédia, ou uma biografia, tudo isto naturamente servido por opções de compra e aluguer.
No fundo, a mesma lógica que em boa medida, já se aplica em muitos sites de imprensa e outros, e de que podemos já fruir nos nossos laptops, pelo que num primeiro relançe nada de muito novo parece existir debaixo do sol.
No entanto...
"It`s all about the display", ouvimos Steve Jobs dizer ao tech-guru Walt Mossberg neste clip do "Wall Street Journal". De facto, o novo gadget joga a sua cartada web na optimização superlativa da navegação na net através de um mesmerizante ecrã que possibilita "segurar a internet nas mãos" como Jobs não se cansou de referir na apresentação. É este salto qualitativo na fruição visual online dos contéudos jornalísticos, que fundamenta as expectativas (e as rezas) de todos os envolvidos de uma maneira ou outra  neste negócio; de que é possível,  em grande parte através do elevar da qualidade sensorial percepcionada, convencer o consumidor a fazer algo que na internet é tido como absurdo: pagar por um contéudo. É nesta fé que o New York Times desenvolve uma versão para o Ipad e se prepara para voltar a cobrar pelo acesso ao seu site.


Para o fotógrafo de imprensa também este "upgrade" de paradigma vai acelerar as mudanças já em marcha, mas agora com interessantes nuances. Sendo certo que o deslocamento acelerado da imprensa para a net vai impor neste suporte cada vez mais a fusão entre imagem fixa e em movimento, a tentação de delegar no fotojornalista funções de videografia é óbvia e parece inelutável. Disto não faltam exemplos, assentes não poucas vezes em discursos de "voluntariado compulsivo", travestidos de modernidade, mas que na realidade visam apenas a contenção de custos. E aos quais nem alguns redactores escapam. Os resultados desta práctica são visíveis na fraca qualidade, técnica e narrativa, da maioria dos clips video que enxameiam os sites de media nacionais e até internacionais. Porque são executados por quem não tem as competências especificas que durante anos desenvolveu nas suas áreas de eleição vocacional. Mas que, por até agora serem fruídos numa lógica de acesso gratuito e de pouca exigência visual, têm "servido para o gasto". O que  é contraditório com o elevado patamar de qualidade de qual estes novos aparelhos são arautos, e que é a chave para persuadir o consumidor a pagar por aquilo que não pagava.


No limite, é "back to basics", ou seja, qualidade igual a competência, igual a profissionalismo, igual a especialização. Na net, no papel, em Nova Iorque ou na Brandoa. 
Pessoalmente, acho sensato que pela incerteza que preside ao espirito dos tempos, os profissionais de comunicação se apetrechem de "skills" básicos e pluridisciplinares. Mas que também nunca se perca de vista que, depressa e bem não há quem, e que o homem dos sete instrumentos é bonito mas quando cantado pelo Sérgio Godinho.

1.1.10

OLGA RORIZ E O ELOGIO DO ESFORÇO.


                                                         Olga Roriz conduz a audição para "A Sagração da Primavera"  © paulo alexandrino 2009





Tive recentemente ocasião de acompanhar um casting para uma companhia de dança; no caso, Olga Roriz recebia no CCB mais de uma centena de aspirantes a participar na sua futura coreografia de "A Sagração da Primavera". São momentos emocionantes. Não há amiguismos, favorecimentos, ou cunhas de faces mais ou menos ocultas que possam valer a um bailarino em audição. Só a intensidade desesperada do esforço físico e mental vale na busca do momento transcendente da comunhão entre corpo e música. Os corpos projectados num desafio à gravidade e à dor, estas criaturas dançam a alma.


A voz de Roriz é um sussurro que entre um silêncio reverente  se projecta claríssimo pela vasta sala, entrecortado apenas pela respiração ofegante dos corpos suados.
Consecutivamente, sentencia inapelável o desfecho: dos 120 bailarinos apenas 17 vão acompanhar a mestra na aventura. É sobretudo para os que partem que deixo a minha homenagem. Porque sei que de seguida, noutro auditório, perante outro juiz, voltaram a forçar as articulações até ao limite, na busca do triunfo sobre si próprios e no reconhecimento do seu valor.
É  em jeito de votos de ano novo que partilho convosco este elogio do esforço, ao qual estes maravilhosos seres nunca viram a cara, e que a todos nos deve inspirar. Porque o essencial, é não desistir perante o maior juiz de todos, nós mesmos.


Galeria de fotos aqui, relato circunstanciado e talentoso da ocorrência pela jornalista Ana Carreira aqui. Bom ano.