19.12.20

"O DIGITAL ESTÁ CONDENADO"

costuma atirar-me em jeito de graça irónica o meu amigo Amândio Albuquerque da Colorfoto em Lisboa. No entanto também ele me fala da subida do consumo de fotografia analógica entre uma faixa etária que abarca sobretudo os adolescentes e os jovens adultos. O processo é simples. Cada rolo entrada de gama 5€ + 8€ pela revelação e digitalização, ou seja por €13 o cliente tem as suas 36 imagens analógicas disponiveis. Basta fazer contas para saber que a brincadeira no médio prazo vai sair cara. E no entanto, nesta casa de fotografia são ás centenas de revelações por mês cujos negativos muitas vezes ficam para trás pois o método favorito de entrega das digitalizações é o email. 

Ali, boa fatia do novo consumidor tipo deste suporte parece dar-se por satisfeito  com a disponibilização da versão digital do seu rolo analógico, não sentindo necessidade de reclamar o negativo, que como sabemos é a matriz única e original da imagem, o que é curioso e contraditório. 
Uma rápida pesquisa na net confirma a existência global  desta tendência. Que é a mesma população que faz milhares de fotos mensais com o telemóvel, mas que reserva o analógico para ocasiões especiais e que espera através dele uma certa validação adicional da sua arte. 

A minha filha Leonor, 23 anos (que vai buscar os negativos), diz-me da existência de "um trend para filmar e fotografar em película que tem texturas mais sedutoras." Assume usar o iPhone como um bloco de notas mas que o seu feed de instagram  tem sobretudo fotos analógicas pois que lhe interessam as imperfeições do filme, por contraponto  ao que sente ser o sharpness excessivo do digital. Retoma procedimentos antigos e fotografa em luz do dia com filmes de tungstênio. Quando lhe replico que semelhantes efeitos podem fácilmente ser reproduzidos no digital, contrapõe com a "necessidade de pensar mais as fotos" mais o "ritual de esperar pelos rolos" e traça um paralelo com a experiência de ouvir música em vinil. Outra jovem, Catarina P., 24 anos, paralelamente a um recente amor pela fotografia analógica declara a vontade de consumir notícias sobretudo na imprensa escrita, em suporte de papel e fala de "uma geração de consumidores com tendências vintage". Hajam muitos assim. Tudo isto é interessante por indicar que num mundo cada vez mais acelerado há movimentos que anseiam pela pausa. Enfim, talvez nem tudo esteja perdido.


                                                           
Leonor Alexandrino, 2020

Também neste registo a "Réponses Photo" deste mês traz-nos num vasto dossier testemunhos dos "Processos antigos - olhares atuais" ,mostrando magnificas imagens que  recuperam a goma bicromatada, a heliogravura, as polaróides grande formato, todo um arsenal de técnicas de ontem que hoje são cada vez mais recuperadas por fotógrafos artistas que veem no domínio das técnicas complexas uma mais valia adicional para a sua obra. Aí, destaque para o trabalho do francês de origem ucraniana Youry Bilak sobre os mineiros da sua terra natal.



Das  expos de fotografia que estão pela cidade, duas habitam as salas do MNACUma individual do norte-americano Todd Hido, inserida no festival Imago e uma colectiva de três artistas sobre a pandemia entre os quais o nosso João Pina que durante dois meses se dedicou a bater à porta dos habitantes confinados do mega edifício Copan em São Paulo, que alberga mais de 5.000 habitantes. Ambas notáveis, e sobretudo a de Pina muito celebrada, são óptimo programa para visita nestas festas singulares.
Bom Natal.




                                                                                  Todd Hido da série "House hunting"


                                                             João Pina, no Copan 2020


14.12.20

O HOMEM A QUEM A FOTOGRAFIA MAIS DEVE

                                                 Alfred Stieglitz por Gertude Kasebier, 1902

é um titulo deliberadamente gongórico, pois como sabemos a construção do edifício da fotografia faz-se de milhares (milhões?) de contributos de anónimos e ilustres, cada um tijolo único na edificação de uma catedral. Mas o norte americano Alfred Stieglitz (1864-1946), como pioneiro e divulgador nos anos da infância da arte e mais além merece largo destaque na história do ofício como um grande entre os grandes.
Nome hoje desconhecido do grande público, nasce em Nova Jérsia filho de abastada família de imigrantes judeus alemães e estuda engenharia mecânica na Alemanha, ofício que não lhe interessava particularmente. Era, segundo parece, mais avistado na ópera, nas pistas de corridas de cavalos e na companhia de jovens senhoras de condição menos afortunada, do que nos corredores da faculdade. Uma educação clássica, portanto.
Acaba por tirar um curso de fotografia com o renomado fotoquímico Hermann Vogel e assim paralelamente aos estudos e à boémia, torna-se fotógrafo amador irreprímivel, viajando e fotografando pela europa fora.
                             Alfred Stieglitz, "The last joke, Bellagio", Lombardia 1887, foto premiada.

Regressa aos Estados Unidos em 1890 já com fotos premiadas e ensaios publicados, para continuar uma carreira que abarcou mais de 50 anos dedicada sobretudo à causa fotográfica. De um feitio peculiar, ainda jovem aceita um negócio de uma casa fotográfica que o pai lhe pôe à disposição, mas perfecionista como poucos exigia que todas as impressões saídas da sua casa fossem de uma qualidade imaculada. Pagava aos seus colaboradores em conformidade e como tal o negócio foi de curta duração.
A Encyclopedia of Photography arranca a entrada com o seu nome dizendo, "Tivesse Alfred Stieglitz nunca tirado uma fotografia e ainda seria considerado uma das mais perenes influências da vida cultural americana do período pré 2ª Guerra Mundial." O tom é justificado, pois o homem, (que em 1924 se casa em segundas núpcias com Georgia O`Keeffe), para além de fotógrafo teve uma atividade frenética como galerista, editor e divulgador.

                            
                                            Georgia O`Keeffe por Alfred Stieglitz, 1918
                                         
Em 1902, ainda muito influenciado pela corrente pictorialista, lança o dinâmico grupo foto-secessão, dedicado a promover a fotografia como forma de arte autónoma, abre a sua primeira galeria e no ano seguinte estreia a revista "Camera Work", muitas vezes considerada a melhor publicação americana de arte da primeira metade do séc XX e a mais bela revista de fotografia de todos os tempos. De notar que para além de fotografia a publicação deu à estampa trabalhos de Picasso, Braque, O`Keeffe e muitos outros artistas modernos. Executada com um rigor técnico inexcedível, a "Camera Work" dura apenas no entanto 15 gloriosos anos nos quais ajudou a fotografia a evoluir da estética romântica do pictorialismo para uma primeira modernidade que abriu caminho para muita da fotografia como a reconhecemos hoje. O trabalho de Paul Strand, no último número duplo da publicação é ilustrativo disto. Como galerista o seu trabalho foi igualmente seminal, tendo gerido uma plêiade de galerias que para além de fotografia exibiam muita da melhor pintura, escultura e trabalhos gráficos.

Enquanto fotógrafo, a sua obra é preciosa. Em 1922 Stieglitz declara ao que veio; "O meu propósito é fazer fotografias que se pareçam tanto com fotografias (i.e. em vez de pintura, gravura etc), que a não ser que o observador tenha olhos e veja elas não serão vistas - e ainda assim ninguém esquecerá tendo olhado para elas uma vez sequer."

  Alfred Stieglitz, "The Steerage", 1907



               "a fotografia fascinou-me primeiro como um brinquedo, depois uma paixão, depois uma
                 obsessão"


Faz parte deste manifesto de intenções a sua longa e famosa série de fotografias de nuvens, "Equivalents", bem como os retratos, estudos de Georgia O`Keeffe e vistas de Nova Iorque que ocuparam os seus últimos anos.

Um espirito renascentista, instrumental para a emancipação e afirmação da fotografia. Talvez seja mesmo o homem a quem ela mais deve.

Fontes; Encyclopedia of Photography, ed. Internacional Center of Photography; Beaumont Newhall, The History of Photography ;
Camera Work, the complete photographs, ed. Taschen; Wikipedia; John Swarkovsky, entrada na Enciclopédia Britânica 





9.12.20

JAKARTA QUE SE AFUNDA OU A CEGUEIRA DO MAR



         ©Calvin Chow 2019


©Calvin Chow 2019
                                          

                                                 

Nestes tempos estranhos e de monotemática noticiosa, recente trabalho do fotógrafo Calvin Chow (1993), lembra-nos que a pandemia é apenas um dos males que nos assombra. As mudanças climáticas têm sido relativamente preteridas nas notícias, mas são elas que no médio prazo representam a mais séria ameaça ao nosso modo de vida, no limite à nossa sobrevivência.

Chow fez um ensaio fotográfico sobre Jakarta, Indonésia, megalópole que como tantas outras zonas costeiras enfrenta o  avanço das águas. Intitulado "The Blindeness of the Sea", centra-se na documentação de um gigantesco muro que na parte norte da cidade tenta conter o progresso do mar. Diz ele que o muro é construído "na esperança de trazer segurança no futuro, mas ao mesmo tempo uma crua lembrança da implacável natureza do progresso." 

As imagens num registo mais próximo do documental do que do jornalístico, são perturbantemente serenas, num paralelo com a poderosa tranquilidade do mar. Numa das mais notáveis vemos um homem que nada trazendo um lote de tijolos afundados que pertenciam a uma mesquita agora submersa e que tenciona vender na cidade.

Depoimento integral do fotógrafo e mais imagens para ver aqui no site do incontornável British Journal of Photography.



É NATAL

E assim sendo, porque não oferecer fotografia? De relance algumas (poucas) sugestões. No online uma visita à loja da Aperture oferece opções para todos os gostos (e bolsas). Mais cá por casa, a editora Pierre Von Kleist disponibiliza dezenas de títulos de autores nacionais, muitos disponíveis agora na renovada livraria Barata da Av. de Roma. Destaco ainda o livro "Folia", sobre o entrudo chocalheiro de Vila Boa de Ousilhão, que o meu velho camarada Egídio Santos disponibiliza por venda direta através do seu Facebook.  Boas compras.           

                                                      


                                                          

                        










                     

12.7.13

DON McCULLIN: TOMAR PARTIDO ENQUANTO FOTOJORNALISTA



O trabalho do fotojornalista britânico Don McCullin (Londres, 1935), foi um dos responsáveis maiores pelo interesse que eu e muitos da minha geração desenvolvemos pela arte da reportagem fotográfica.

As suas façanhas no Vietname, Biafra, Chipre (World Press Photo de 1964), Irlanda do Norte e outros teatros da tragédia entraram pela porta grande na história do métier.

Dele convido-vos a ver atentamente o video acima onde a partir do minuto 3:20, McCullin assume frontalmente ter encenado uma das suas fotos mais reconhecidas, na qual o cadáver de um soldado norte-vietnamita jaz rodeado pelos seus pertences íntimos. Descreve o fotógrafo que as tropas norte-americanas que o haviam abatido, pilharam de seguida os parcos pertences do inimigo caído, numa manifestação da miséria humana que empesta os campos de batalha.

Don McCullin, figura romântica à la Capa, ficou tão perturbado pela cena, que decidiu nas suas palavras, "(...) I`m going to make something out of this situation(...)", dispondo então as fotografias de familia do soldado caído à sua volta, no que entendeu ser uma homenagem à sua tragédia e um desagravo pela indignidade sofrida. A imagem tornou-se icónica como libelo contra uma guerra absurda sobre a qual a história já fez o seu juízo.

Os problemas que esta foto e a sua feitura levantam são óbvios à luz do mito da observância de objectividade não interventiva que é exigida aos fotojornalistas.

Batota sem desculpas, gritarão muitos. Outros poderão contrapor que o fotógrafo, ao tomar partido de uma forma tão aberta, colocou-se apenas no mesmo patamar de muitos dos seus colegas redactores, que constroem a prosa de modo a ecoar nos leitores a sua sensibilidade sobre a realidade e os acontecimentos.

A fotografia, como o Mundo, não é de facto uma coisa a preto e branco, e hoje é a esta reflexão que vos convido.


11.9.11

O 11 DE SETEMBRO DE "CHICO" LAGOS.

           Santiago do Chile, 11 de Setembro de 1973. As últimas horas de Salvador Allende .
                                                       Foto de Orlando "Chico" Lagos




 O 11 de Setembro de 2001 foi óbviamente documentado visualmente de forma maciça. 
Dessa imensa produção, há fotos para todos os gostos e feitios, das mais espectaculares ás mais subtis, muitas recorrentemente recuperadas nas efemérides da ocasião. Várias delas foram premiadas na edição desse ano do World Press Photo (WPP), cujo grande prémio foi no entanto atribuído a uma imagem de Erik Refner obtida numa das tristemente habituais catástrofes humanitárias africanas.

Mas uma das primeiras fotos que enquanto garoto me ficou na retina, foi de facto grande prémio do WPP, e foi obtida num 11 de Setembro. Não o de 2001, fundador do tempo que vivemos, mas o de 1973, ano do golpe militar de Pinochet, acontecimento que na altura teve enorme repercussão  na luta mortal das ideologias.
Nela se vê Salvador Allende rodeado de fiéis, capacete na cabeça e AK-47 a tiracolo, a assomar a uma das entradas do palácio de La Moneda, para observar as evoluções dos aviões golpistas. Nos rostos apreensivos pressente-se a iminência do fim que inscreveu na imagem a carga mitíca que a tornou célebre.
Também a história do fotógrafo que a obteve é triste;  Orlando "Chico" Lagos ( 1913 – 2007) era à data fotógrafo oficial da presidencia chilena, e saiu do palácio na última hora, na companhia das filhas de Allende, e com alguns dos rolos que tirara com a sua Leica dissimulados na roupa.  As fotos chegaram umas semanas mais tarde aos Estados Unidos e começaram a correr mundo com a menção de "autor desconhecido". Normal, pois Orlando, por razões de segurança pessoal havia pedido que assim fosse, e foi com essa assinatura que ganhou o referido grande prémio dos WPP de 73.

 Esse anonimato terá no entanto estado envolto numa série de equívocos, pois Lagos teria negociado com  a direção do New York Times de então que a autoria da foto seria oficialmente desvendada com a sua morte, o que não terá acontecido. Tal como não terá recebido os 12 000 dólares (soma importante à data) que seriam a contrapartida da utilização das fotos. 

A história é como disse triste, e está bem contada nesta página de 2007 do diário chileno "La Nación". 

Mais do que julgamentos, a mim interessa-me neste 11 de Setembro deixar a minha homenagem a um fotógrafo ao qual as circunstâncias roubaram a glória mas não a honra.

2.9.11

HOMENAGEM AOS AMADORES. O CASO VIVIAN MAYER.

 Vivian Mayer. 22 de agosto de 1956


                                                     Vivian Mayer. NYC, s/data


A minha amiga Mafalda Borges chamou-me a atenção para o caso de Vivian Mayer (1926 – 2009), uma discreta ama de Chicago e  fotógrafa amadora irreprimível, que desde os anos 50 produziu, sobretudo na companhia de uma Rolleiflex, um notável corpo de trabalho. No registo do quotidiano (ainda e sempre a "street photography") e de viagens, financiadas ao que parece com a venda de alguns imóveis de familia.

Sobre a sua vida e obra existem informações em bom detalhe aqui e aqui, derivadas do interesse de John Maloof, o responsável pela divulgação da obra da fotógrafa. Em 2007, Maloof, um estudioso da história de Chicago, adquiriu sem grandes expectativas 30 000 negativos leiloados na sequência da insolvência de Mayer, que terá passado os últimos anos de vida perto da miséria.

Segundo o dicionário, o termo "amador" refere-se "ao que, por gosto e não por profissão, exerce qualquer ofício ou arte". Longe portanto, do sentido pejorativo associado aos intrusos nas esferas às quais se associam competências técnico-estéticas especificas. 
Vivian Mayer parece ter levado esta definição ás ultimas consequências, pois do seu trabalho não houve eco até depois da sua morte, e a sua actual divulgação deve-se a circunstâncias próximas do puro acaso. Tal anonimato deveu-se não a uma daquelas injustiças de avaliação de mérito em que o mundo é pródigo, mas pelo simples facto de Mayer nunca ter mexido uma palha para que tal acontecesse, pois aparentemente nunca se preocupou em mostrar as suas fotos fosse a quem fosse. Muitos negativos foram obtidos ainda por revelar.

Não acredito que não tivesse consciência do seu valor e do interesse que despertariam. O seu olhar é o de uma esteta, e os estetas sabem do valor da beleza. Mas a sua práctica devia fazer parte  de uma catarse íntima, de um prazer cuja satisfação quase onanista tornava dispensável a validação pelo outro.

Uma espécie de meta-amadora portanto, cuja opinião que poderia ter acerca da divulgação das suas imagens, (com um livro em preparação e popular presença online), permanecerá motivo de especulação e discussão.

Em todo o caso momentos de poesia pura, que reforçam a certeza de que o carácter cada vez mais democrático da práctica fotográfica é a sua maior força, e que a contribuição do anónimo amador pode, no tijolo final da construção do seu edificio, valer tanto como a do celebrado profissional. 
Por incómoda que a ideia seja a muitos como eu.

28.8.11

"HERE KITTY KITTY"; LOST IN NYC E MAIS ANGÚSTIAS DA "STREET PHOTOGRAPHY"







©Zach Arias,  2011 da série "Here Kitty Kitty"


Quem foi passando por aqui, já se apercebeu que a chamada "street photography" é um dos meus assuntos favoritos de reflexão (e hesitação) fotográfica, pelas mais pedestres razões; o fascínio do espectáculo urbano, com tanta situação "a pedir" para ser roubada, versus o constrangimento que o "roubo" causa, blábláblá e etc, uma equação que já causou crises místicas em fotógrafos de verdadeiro talento. Lembro-me de numa noite distante nos anos 80 ouvir no Porto, Gérard Castello-Lopes a falar dessas angústias.

Isto como desculpa para partilhar a imagem acima de Zach Arias, fotógrafo norte-americano inicialmente dedicado á fotografia de música, mas cuja fome visual puxa naturalmente para outros mundos. Precisamente nas suas incursões pelo quotidiano de NYC (a que deu o adorável nome de código de "Here, Kitty Kitty") tropeçou em Time Square com esta singular personagem que estava a ser interpelada por dois garbosos cívicos, que segundo conta, básicamente lhe estavam a dizer para se por a mexer ("get lost lady") por não ter a necessária licença para posar para os turistas (!?). Zach acrescenta judiciosamente que "already lost" já a pobre senhora lhe parecia estar e já não devia ser de agora, acrescento eu.

Uma pequena ironia mais para o oficio do "chausseur d`images" em modo street. E a policia, uns chatos em todas as latitudes. Já não basta dar mimo aos que se amotinam quando se veem fotografados à surra, ainda espanta os que se querem deixar fotografar...

Enfim, piadolas duvidosas à parte, importante mesmo é visitar aqui o trabalho deste simpático Zach Arias.

24.8.11

DA INOCÊNCIA DOS VERÕES FELIZES.

                                                        Weegee, Coney Island 1940.

A série de workshops de fotografia que estou a co-organizar com os meus queridos Clara Azevedo e Paulo Vaz Henriques, tem a vantagem acrescida de servir de motivo para revisitar algumas imagens essenciais, às quais que nem sempre tenho voltado com a frequência recomendável.

Assim, coube-me a propósito de um elogio do uso do flash, apresentar à paciente plateia um pouco da vida e obra de Arthur Fellig "Weegee". 

Nome incontornável da história do métier,  as incidências da sua carreira estão abundantemente documentadas em todo o escrito sobre a coisa, online e offline. Ao leitor curioso, basta a pesquisa da ordem.

Para aqui basta apenas dizer que o principal do corpo de trabalho pelo qual se celebrizou, foi a documentação da cena policial, do crime e do "bas-fond" nova-iorquino, sobretudo nas décadas de 30 e 40 do século passado. Actor e testemunha em ambientes soturnos e carregados de um preto e branco de "film noir", Weegee poderia ser fácilmente apelidado de um fotógrafo da(s) sombra(s).

Mas, uma das suas imagens mais famosas, é este tão célebre quanto fantástico instântaneo obtido na praia de Coney Island em 1940.
Não sei bem bem qual foi a preparação da foto, que será uma estória dentro da história, mas para a posteridade ficou o registo de uma multidão gigante, que olha para a objectiva num mar de alegria e entusiasmo.

Será muito dificil nos tempos de desconfiança urbana em que vivemos e viveremos, voltar a congregar tantos olhares que olhem em simultâneo para um fotógrafo com tão inocente motivação.

Uma espécie de paraíso perdido, onde um fotógrafo das sombras teve o seu momento mais luminoso.


2.5.10

OH NÃO! MAIS UM PORTFÓLIO DE FÁTIMA.

          Santuário de Fátima, Setembro de 2004 © Paulo Alexandrino

Ah pois é, mas eu também sou filho de Deus.  E os terrenos da Fé são sempre férteis para os fotógrafos, mesmo os de talento remediado. Seja como for, o conjunto de imagens que pode ver aqui na totalidade,  não é momento de "arte & ensaio", mas um salteado de reportagens recentes para a Notícias Magazine, Notícias Sábado e Readers Digest, na companhia dos bons camaradas de escrita Ricardo Rodrigues, Samuel Alemão e Mário Costa.

Com o Mário, vi na estrada que os peregrinos de hoje estão mais bem  equipados e calçados, sabem da importancia dos alongamentos e das massagens, e que as eficazes brigadas de apoio continuam a servir sólidas sardinhadas bem regadas nas pausas da jornada. E que no Santuário, a Procissão de Joelhos continua inelutável,  agora sob o olhar tutelar da estátua de João Paulo II e da modernidade da Igreja da Santíssima Trindade, novos ícones do recinto.
Nos bastidores, vimos fabricar as hóstias que as multidões consomem aos milhões, e conduziram-nos  pelas entranhas da moderna fornalha que recicla a cera das toneladas de velas como as que aquela mulher de branco vê consumir em longo alheamento.

Tambem gostei, de na companhia do Ricardo ter conhecido Gregória Alarcón, a suave miraculada espanhola, pedra na qual o já partido Padre Luís Kondor assentou a construção do processo de canonização dos videntes de Fátima. A propósito, será que aquele parente de Lúcia, ele próprio uma atração turistica (tendência índio de madeira), ainda recebe os visitantes na casa de infância dos pastorinhos, à porta da qual o merchandising mais ingénuo campeia. 

Também me comovo com as operárias, que nas poucas fábricas que ainda resistem à invasão chinesa, dão corpo à inalterada estética kitsch que desde há décadas atafulha as centenas de pequenas lojas e gigantes armazéns de artigos religiosos que monopolizam o espaço comercial da Vila. Nas quais, com o Samuel, ouvi os lojistas, que como todos os lojistas, se choram do negócio que está fraco, enquanto confirmam que as vendas de tudo o que é efige de João Paulo II dá dez de avanço a qualquer Papa Ratzi que lhe suceda. 

Gosto de tudo isto, tanto como do insondável mistério daquela carioca que abandonou o Rio, e agora saltita feliz  nas ruas de Fátima a arrebanhar clientes para o seu restaurante que tem uma palmeira pintada na parede e o mesmo menu de carne assada e bitoque de todos os outros. Tanto como gosto da maneira afável como o reitor do santuário olha para a camara num dia de inverno em que a chuva realça o brilho dos néons nas ruas tristes. 

Adoro todos estes momentos assim como adoraria  ter encontrado os negativos daquela já longinqua véspera de um 13 de Maio, em que na companhia do meu amigo Luís Villalobos, vi um carteirista incompetente aplicadamente sovado por uma turba alheada do espirito de concórdia cristã que por ali é lei.


Continuarei com as minhas visitas, tão regularmente quanto possa. Até porque a medida a que Portugal se renova está aqui bem à vista, nos usos e costumes de quem visita esta Fátima em que a é um lugar ainda mais estranho.

26.4.10

NELSON NO LABIRINTO DA GENERALA.

    ©Nelson d`Aires 2009. Manuela Ferreira Leite em campanha para as legislativas



 Como já toda a gente sabe,  a primeira edição do prémio Estação-Imagem / Mora, foi um retumbante sucesso. Parabéns e abraços para todos, organizadores, CM de Mora, vencedores e participantes.


Vendo os portfólios premiados, reforça-se a certeza que o fotojornalismo nacional está vivo, de óptima saúde e perfeitamente ao par com o melhor nível internacional.
 E com a devida vénia para o Paulo, o Gonçalo, o Guillaume,  e demais rapaziada, confesso-me particularmente seduzido com o fulgor do trabalho de  Nelson d`Aires na campanha do PSD. Há muito que não via a pantomina inútil a que os politicos em campanha sacramentalmente se submetem, tão eficazmente documentada.  Qual "generala" perdida no seu labirinto, Manuela Ferreira Leite é uma actriz em esforço, que tal como muitos outros, representa uma peça de cujo guião não gosta, cujo texto não sabe, para um público que não compreende,  acolitada por "compères" deslocados que  apenas realçam a violência inútil da situação.
O frio preto e branco de estilete com que o olhar de Nélson nos serve este teatro do absurdo, realça a dignidade apolítica deste ensaio, que assenta mais na elegância intelectual, do que no primado da emoção de que fala a jurada Daphné Anglès ao "i".


Assim, quase que valia a pena haver mais campanhas eleitorais. Quase. Ver todos os premiados aqui.

12.2.10

WORLD PRESS PHOTO 2010; UMA VISTA DE OLHOS.

 


   


 
 De cima para baixo; A manifestante iraniana Neda Agha-Soltan jaz baleada num frame de video amador; "Matadouro" de Tommaso Ausili, e "Katie, Hungry Horse, Montana" de Pieter Ten Hoopen.

Os prémios World Press Photo (WPP) de 2010 tiveram nesta edição alguns pontos dignos de nota. O mais interessante, é a atribuição de uma menção especial a um still frame  de um video amador rodado nos motins pós-eleitorais iranianos, e que o Youtube popularizou globalmente. Sobretudo por David Griffin, membro do júri, se dizer "agradado por o WPP  ter aberto caminho a imagens não-profissionais com significativo impacto no registo histórico visual". Estamos perante o que me parece ser um primeiro ( e lógico e inevitável) passo da veneranda instituição em direção ao cada vez mais inelutável fenómeno do jornalismo visual praticado pelo cidadão-repórter. Abstenho-me de repisar as vantagens que o grande público pode (ou não) tirar deste fenómeno, e os prejuízos e os riscos que não cessam de se agravar para o fotojornalista de "on the spot" e "hard news".
É também curioso verificar que o grande prémio desta edição, também ele captado nas eleições iranianas, situa-se nos antípodas formais do murro no estômago do anterior, parecendo configurar uma vontade do júri de aproximação a um registo mais subliminar, que por seu turno não será certamente consensual entre vasto número dos profissionais.


Trabalho de cidadão repórter é o que não é o ensaio do italiano Tommaso Ausili, 3º classificado de reportagem na categoria  de temas contemporâneosA sua série de um matadouro,  por onde passa a sombra de um terrível humor negro, faz-nos olhar com outros olhos para o bife no nosso prato, funcionando como um surreal e poderoso manifesto vegetariano. Fotografia de causas pura e dura.

Sobreveio-me também no meio desta e das outras habituais imagens-choque, o 2º lugar da categoria de retratos do holandês Pieter Ten Hoopen. É sempre bom ver que, também para o WPP, no meio da carnificina continua a haver lugar para a paixão erótica.
Fim-de-semana prolongado à porta, boa ocasião para ver tudo isto.

6.2.10

DINIZ MACHADO, O TÓPÊ, E A PERENIDADE DA BELEZA E DO TALENTO.

                                                          O Tópê, fotógrafo (in)tranquilo.


Li algures uma citação do saudoso Diniz Machado, que a propósito destes acelerados tempos de constantes mudanças tecnológicas e de costumes, dizia que o homem contemporâneo sente um inapelável sentimento de desancoramento e perda, face a uma realidade que requer reinterpetrações constantes.
Lembrei-me disto ao visitar a exposição que o António Pedro Ferreira mostrou recentemente na Kgaleria, que era balsâmica e retemperadora em relação a estas angústias. A (in)tranquila elegância formal daqueles 35 mm integrais a preto e branco, com o seu belo grão, sábiamente preenchidos de ponta a ponta, e que denunciam sem gritar uma realidade madrasta, fizeram-me lembrar (a mim e certamente a muitos da minha e de outras gerações), a razão porque, num dia cada vez mais distante, me deixei seduzir pela fotografia. 
E reforçar a certeza de que a beleza e a qualidade plástica, seja em que disciplina for, é imune aos modismos visuais e à vertigem tecnológica. De parabéns o nosso querido Tópê, e também a Kgaleria, por nos ajudarem a relembrar estas evidências.

Saber tudo, aqui.

31.1.10

IPAD, FOTÓGRAFOS, E O HOMEM DOS SETE INSTRUMENTOS.
















Irá o Ipad ser o fim do homem dos sete instrumentos?



O surgimento do  Ipad, é para vários analistas, o pontapé de partida para uma geração de aparelhos que vão suportar com novo fulgor uma produção online irreversivelmente ancorada no multimédia. A ideia é que por exemplo, ao ler um livro num destes aparelhos, determinadas passagens façam uma hiperligação para um outro conteúdo, seja um clip de uma adaptação cinematográfica, uma entrada para uma enciclopédia, ou uma biografia, tudo isto naturamente servido por opções de compra e aluguer.
No fundo, a mesma lógica que em boa medida, já se aplica em muitos sites de imprensa e outros, e de que podemos já fruir nos nossos laptops, pelo que num primeiro relançe nada de muito novo parece existir debaixo do sol.
No entanto...
"It`s all about the display", ouvimos Steve Jobs dizer ao tech-guru Walt Mossberg neste clip do "Wall Street Journal". De facto, o novo gadget joga a sua cartada web na optimização superlativa da navegação na net através de um mesmerizante ecrã que possibilita "segurar a internet nas mãos" como Jobs não se cansou de referir na apresentação. É este salto qualitativo na fruição visual online dos contéudos jornalísticos, que fundamenta as expectativas (e as rezas) de todos os envolvidos de uma maneira ou outra  neste negócio; de que é possível,  em grande parte através do elevar da qualidade sensorial percepcionada, convencer o consumidor a fazer algo que na internet é tido como absurdo: pagar por um contéudo. É nesta fé que o New York Times desenvolve uma versão para o Ipad e se prepara para voltar a cobrar pelo acesso ao seu site.


Para o fotógrafo de imprensa também este "upgrade" de paradigma vai acelerar as mudanças já em marcha, mas agora com interessantes nuances. Sendo certo que o deslocamento acelerado da imprensa para a net vai impor neste suporte cada vez mais a fusão entre imagem fixa e em movimento, a tentação de delegar no fotojornalista funções de videografia é óbvia e parece inelutável. Disto não faltam exemplos, assentes não poucas vezes em discursos de "voluntariado compulsivo", travestidos de modernidade, mas que na realidade visam apenas a contenção de custos. E aos quais nem alguns redactores escapam. Os resultados desta práctica são visíveis na fraca qualidade, técnica e narrativa, da maioria dos clips video que enxameiam os sites de media nacionais e até internacionais. Porque são executados por quem não tem as competências especificas que durante anos desenvolveu nas suas áreas de eleição vocacional. Mas que, por até agora serem fruídos numa lógica de acesso gratuito e de pouca exigência visual, têm "servido para o gasto". O que  é contraditório com o elevado patamar de qualidade de qual estes novos aparelhos são arautos, e que é a chave para persuadir o consumidor a pagar por aquilo que não pagava.


No limite, é "back to basics", ou seja, qualidade igual a competência, igual a profissionalismo, igual a especialização. Na net, no papel, em Nova Iorque ou na Brandoa. 
Pessoalmente, acho sensato que pela incerteza que preside ao espirito dos tempos, os profissionais de comunicação se apetrechem de "skills" básicos e pluridisciplinares. Mas que também nunca se perca de vista que, depressa e bem não há quem, e que o homem dos sete instrumentos é bonito mas quando cantado pelo Sérgio Godinho.

1.1.10

OLGA RORIZ E O ELOGIO DO ESFORÇO.


                                                         Olga Roriz conduz a audição para "A Sagração da Primavera"  © paulo alexandrino 2009





Tive recentemente ocasião de acompanhar um casting para uma companhia de dança; no caso, Olga Roriz recebia no CCB mais de uma centena de aspirantes a participar na sua futura coreografia de "A Sagração da Primavera". São momentos emocionantes. Não há amiguismos, favorecimentos, ou cunhas de faces mais ou menos ocultas que possam valer a um bailarino em audição. Só a intensidade desesperada do esforço físico e mental vale na busca do momento transcendente da comunhão entre corpo e música. Os corpos projectados num desafio à gravidade e à dor, estas criaturas dançam a alma.


A voz de Roriz é um sussurro que entre um silêncio reverente  se projecta claríssimo pela vasta sala, entrecortado apenas pela respiração ofegante dos corpos suados.
Consecutivamente, sentencia inapelável o desfecho: dos 120 bailarinos apenas 17 vão acompanhar a mestra na aventura. É sobretudo para os que partem que deixo a minha homenagem. Porque sei que de seguida, noutro auditório, perante outro juiz, voltaram a forçar as articulações até ao limite, na busca do triunfo sobre si próprios e no reconhecimento do seu valor.
É  em jeito de votos de ano novo que partilho convosco este elogio do esforço, ao qual estes maravilhosos seres nunca viram a cara, e que a todos nos deve inspirar. Porque o essencial, é não desistir perante o maior juiz de todos, nós mesmos.


Galeria de fotos aqui, relato circunstanciado e talentoso da ocorrência pela jornalista Ana Carreira aqui. Bom ano.

25.12.09

DE OBAMA A KHADAFI, OU AS BORBOLETAS DO PODER






  








Richard Avedon. Os Duques de Windsor, 1957




                                                                                                 




                                                                                                                                                         Platon. Muamar Khadafi, 2009
                


Existe um documentário em que Richard Avedon, a propósito do seu famoso retrato dos Duques de Windsor, conta que a duquesa, furiosa com o resultado,  lhe jurou que, "havemos de o destruír". Acrescentou a seguir, que considerando os patifes anti-semitas que eles eram, até achava que os tinha tratado muito bem.

Aconteceu a "Edward & Mrs. Simpson" o mesmo que a muitas outras figuras do poder, político ou social, que sempre foi atraído pelo glamour dos fotógrafos famosos, como borboletas pela luz. Seguindo a tradição da pintura clássica, e perante a promessa de imortalidade que o sortilégio da imagem fixa representa, arriscam baixar a guarda de uma imagem laboriosamente construida, num exercício que deve por os nervos em franja aos assessores de imagem, cuja cabecinha é a primeira a rolar, caso a coisa corra mesmo mal.

Esta relação foi há pouco tempo reforçada por um notável "tour de force" desenvolvido pela "New Yorker"numa recente reunião das Nações Unidas. Em meses de negociações de bastidores, a revista conseguiu autorização para que o seu fotógrafo-estrela do momento, o britânico Platon (Londres, 1968), instalasse um mini-estúdio à entrada do aerópago, com carta branca para arrebanhar os dignatários que se dispusessem a uma sessão foto.  Os retratos de Platon, apesar de alheados das motivações ideológicas de que Avedon dava eco, têm normalmente um toque desconcertante, parecendo uma  surreal mistura de cartoon com hiperrealidade. Assim, é sabido que quem alinhe na coisa, não é garantido que fique com uma daquelas fotos para por no jazigo. E no entanto, em 5 dias frenéticos, dezenas das mais ilustres "borboletas", de Obama a Ahmadinejad, de Lula a Khadafi, lá se sentaram para a objectiva. Os resultados são magnificamente divertidos, e adorava ser mosca para saber o que foi dito nas chancelarias deste mundo.

Grandes momentos, cujas perípécias são imperdíveis  aqui.

1.12.09

EM ROMA, TRATAR OS ROMANOS COM RESPEITO.



                   © Marco Baroncini, 2009



O incontornável lens mostrou-nos recentemente mais um belo momento de fotojornalismo, desta vez da responsabilidade do italiano Marco Baroncini, (1972).
 O assunto da sua história, os ciganos de etnia Roma, estavam (estão) literalmente ao virar de todas as esquinas. O incómodo que a sua presença causa, torna-os virtualmente invisíveis aos seus compatriotas romanos, numa reacção de autodefesa que todos os urbanos tão bem conhecem. Baroncini olhou, e com respeito, sensibilidade e método, fez pacientemente aquilo para que durante anos se treinou; através da imagem fixa, trouxe para o seu público mais uma peça para o mosaico da sua contemporaneidade.


Esta reportagem, na aparência semelhante a tantas outras, captou-me a atenção por evocar alguns temas sobre os quais gosto de reflectir. Em primeiro lugar, uma abordagem visual que vive no respeito pela dignidade do outro, onde o relato da crueza das circunstâncias não cede a um neo-realismo tardio, miserabilista, e de "choque", que em muitas ocasiões semelhantes é armadilha fatal. 
E também, no reafirmar da superior eficácia da imagem fixa como instrumento de comunicação visual nos suportes mediáticos. Numa altura em que tantos talentosos jovens fotojornalistas, angustiados pelo Zeitgeist, procuram no cruzamento com as plataformas multimédias, modo de afirmar o seu instinto visual, a imagem que se vê acima fala-nos como um velho amor que teima em não deixar de nos seduzir.
Quantas sequências de video condensa aquele instante? Mas o melhor é ver, aqui e aqui.


20.11.09

RITA CARMO E A POP ART DOS POBRES.



  Depois & Antes; À direita, António Sérgio por Rita Carmo, 1993. À esquerda, intervenção de "Sardine&Tobleroni". Condições de venda: «framed, 72 cm x 102 cm (including frame), selling price EURO 2.000 (April 2008). Note that prices might go up while paintings are on tour.»



A fotógrafa Rita Carmo (Leiria, 1970) é uma profissional que faz a sua carreira  na documentação da cena músical nacional. Conquistou pela sua qualidade e seriedade merecido destaque no meio, como fotógrafa residente do "Blitz" (para o bem e para o mal o nosso New Musical Express), pela sua colaboração com inúmeras bandas, e ainda pela obra publicada, com relevo para o seu "Altas Luzes".
Ou seja, firmou-se como um nome que conseguiu a difícil distinção de ser sinónimo de um género. E que por estes dias está a ser falada na comunidade fotográfica, não pelo mérito próprio mas por (de)méritos alheios.

 Em resumo; a Rita está (justamente) fula e desse estado de alma nos deu conta. Pois que a dupla de artistas plásticos "Sardine&Tobleroni", ou seja o suiço Jay Rechsteiner e o conimbricense Victor "Torpedo" Silveira (ex-guitarra dos Tédio Boys), se apropriou, sem pré-aviso, de várias fotos suas para sobre elas construir parte da exposição "Espelho meu - História do Rock Português". 
O "modus operandi" destes talentos assenta na práctica (mais que estafada) da época áurea da Pop Art que consistia grosso modo na assunção que toda a produção visual e iconográfica contemporânea seria do domínio público. Assim, e por decisão unilateral,  qualquer intervenção plástica à posteriori, transfigurava a obra original numa "coisa" nova, pelo que se considerava convenientemente extripada  de qualquer direito autoral a sua matriz primeira. Tal práctica de atropelo ético, vulgo gamanço, quando aplicada por talentos visuais alucinatórios como Andy Warhol e demais troupe produziu os resultados conhecidos. Quando os talentos são sómente alucinados,  temos como no caso em apreço, apenas um pastiche preguiçoso que visa construir a sua capitalização sobre o esforço alheio. Naturalmente que, legalismos à parte, a cada um o seu ponto de vista, pelo que convido o leitor a, observando o díptico acima,  aferir das diferenças entre o antes e o depois, e da justeza  da "elevação" do documento fotográfico à condição de "obra artística."

De notar que no video da reportagem da vernissage brilha, entre vários, Miguel Ângelo (o dos Delfins, não o outro) a explicar embevecido o monumento que honra a sua banda. Interrogo-me de como reagiria ele se ao entrar num elevador, ouvisse os acordes de uma das suas imortais cantigas samplados num qualquer "Muzak" sem que para tal tivesse sido ouvido nem achado.
 Para finalizar em beleza, o jornalista Davide Pinheiro reproduz nas páginas do "DN" da ocasião, um antológico depoimento de Victor Silveira, dando conta que foi numa ocasião em que partiu as duas pernas que, "Depois do acidente, pedi à minha namorada para me comprar umas telas. Nessa altura começei a trabalhar mais nessa área, porque tinha que permanecer em casa." 
 De facto a necessidade aguça o engenho. E uma desgraça nunca vem só.

16.11.09

QUEM VÊ CCTV?


Nuno Lopes em "Alice", de Marco Martins



No maravilhosamente triste "Alice" de Marco Martins, existe uma cena que é toda uma antologia da relação entre o cidadão e as milhares de câmaras de CCTV  que enxameiam as nossas cidades. Quando o personagem de Nuno Lopes se desloca ás catacumbas do aeroporto de Lisboa para clandestinamente resgatar um saco cheio de cassetes de vigilância, onde espera vislumbrar a sua filha desaparecida.
O operador vídeo com tiques de dealer alienado que lhe proporciona a transação, fá-lo porque sabe que ninguém as vai reclamar. A enorme maioria destas testemunhas silenciosas do nosso quotidiano constroem em milhões de gigabites de informação um gigantesco e surreal puzzle/mosaico da nossa passagem pela terra, cujos ecos se vão perder num espaço-tempo incerto.
Mais que servir as tentações totalitárias dos governos, a multiplicação exponencial destes aparelhos e a forma como a encaramos espelha o nosso medo da vida em sociedade. Da ameaça silenciosa que o "outro" representa, e que nós próprios podemos constituir.

E por vezes, como no caso recente do Metropolitano de Boston, estas sentinelas digitais abandonam a sua função original e entram pelo campo do jornalismo visual. Neste caso em concreto duas câmaras, em rudimentar edição campo/contracampo, assinam um momento de reportagem de "Cidadão-Repórter" - e sem "Cidadão", o que suspeito ser o sonho dos mais cibernéticos patrões de imprensa - dando conta em 30 segundos, de uma história triste com final feliz. A máquina testemunhou, cega e sem critério a miséria do humano. E outro humano logo pegou no seu testemunho e o tornou em mais um fait-diver urbano, à medida de um hit do Youtube, onde imediatamente pontificam comentários como "Ahahahaha ha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!LOL ;) Dumb person".

Dias cinzentos em Alphaville.

11.11.09

DA INOCÊNCIA PERDIDA DA FOTOGRAFIA (E) DO FUTEBOL.


Á esquerda, "O Formidável" Fernando Marques acorre a consolar Eusébio. ©

   









De cima para baixo: Maradona em 1979, o brasileiro Jair durante um nevão num Inter-Pádua em 1962 e Geoff Hurst festeja no mundial de 1966 num momento de "arte" foto, tipo "O Independente" avant la lettre.




Um emocionante post de José Vegar acerca do desencanto que  o futebol moderno lhe causa, trouxe-me à memória a maneira com que a "Idade da Inocência" do desporto-rei era captada pelos fotógrafos de então. Actualmente, o primado das teleobjectivas causa um efeito de isolamento da acção, em espectaculares grandes planos que se repetem ad nauseam de jogo para jogo, seja um Nacional-Belenenses ou um Bayern-Inter. As celebrações das grandes conquistas passaram da subversiva e telúrica alegria (lembremo-nos de João Pinto no Prater de Viena a monopolizar a Taça dos Campeões em 87) para coreografias plastificadas entre nuvens de "confettis" onde só a cor muda, encenadas para as camaras de televisão.

Sinal dos tempos, muitas das mais estimulantes imagens são agora obtidas através de camaras fixas em locais improváveis e disparadas por comando remoto por vezes a 100 metros de distancia. Tudo num cenário onde os adeptos se enfeitam numa excentricidade mainstream, cientes da iminência dos seus 10 segundos de palco visual.
Para sempre ficou perdido o registo da envolvência da acção, com as bancadas apinhadas de uma multidão absorta, os ângulos abertos em que uma dúzia de jogadores bailavam, e a inocência com que as grandes estrelas, então livres dos milionários compromissos comerciais encaravam as objectivas.

E de histórias de futebol e fotógrafos, o nosso país tem a mais bela de todas: naquela fatídica tarde de Julho de 1966, Eusébio abandona em lágrimas o relvado de Wembley. Vejam a foto de abertura acima e reparem num sujeito, magrinho e com uma gabardina coçada que se precipita para consolar o Pantera Negra (existe uma bastante melhor do Mestre Nuno Ferrari). O homem é Fernando Marques, "O Formidável" (1911-1996), o cauteleiro de Coimbra tornado fotógrafo, que "doente" da Académica, corria também o mundo na peugada dos "Magriços". Naquela hora de desespero do seu menino mais querido, Fernando pousou as máquinas e acorreu ao amigo como os Homens fazem. Perdeu o "boneco" mas também ganhou o seu lugar na história. Formidável.

ps. Existe no mercado uma mão cheia de livros repletos de interessantes foto sobre o assunto. Algumas das acima podem ser adquiridas em " Football", de Nick Yapp, edição Konemann