14.12.20

O HOMEM A QUEM A FOTOGRAFIA MAIS DEVE

                                                 Alfred Stieglitz por Gertude Kasebier, 1902

é um titulo deliberadamente gongórico, pois como sabemos a construção do edifício da fotografia faz-se de milhares (milhões?) de contributos de anónimos e ilustres, cada um tijolo único na edificação de uma catedral. Mas o norte americano Alfred Stieglitz (1864-1946), como pioneiro e divulgador nos anos da infância da arte e mais além merece largo destaque na história do ofício como um grande entre os grandes.
Nome hoje desconhecido do grande público, nasce em Nova Jérsia filho de abastada família de imigrantes judeus alemães e estuda engenharia mecânica na Alemanha, ofício que não lhe interessava particularmente. Era, segundo parece, mais avistado na ópera, nas pistas de corridas de cavalos e na companhia de jovens senhoras de condição menos afortunada, do que nos corredores da faculdade. Uma educação clássica, portanto.
Acaba por tirar um curso de fotografia com o renomado fotoquímico Hermann Vogel e assim paralelamente aos estudos e à boémia, torna-se fotógrafo amador irreprímivel, viajando e fotografando pela europa fora.
                             Alfred Stieglitz, "The last joke, Bellagio", Lombardia 1887, foto premiada.

Regressa aos Estados Unidos em 1890 já com fotos premiadas e ensaios publicados, para continuar uma carreira que abarcou mais de 50 anos dedicada sobretudo à causa fotográfica. De um feitio peculiar, ainda jovem aceita um negócio de uma casa fotográfica que o pai lhe pôe à disposição, mas perfecionista como poucos exigia que todas as impressões saídas da sua casa fossem de uma qualidade imaculada. Pagava aos seus colaboradores em conformidade e como tal o negócio foi de curta duração.
A Encyclopedia of Photography arranca a entrada com o seu nome dizendo, "Tivesse Alfred Stieglitz nunca tirado uma fotografia e ainda seria considerado uma das mais perenes influências da vida cultural americana do período pré 2ª Guerra Mundial." O tom é justificado, pois o homem, (que em 1924 se casa em segundas núpcias com Georgia O`Keeffe), para além de fotógrafo teve uma atividade frenética como galerista, editor e divulgador.

                            
                                            Georgia O`Keeffe por Alfred Stieglitz, 1918
                                         
Em 1902, ainda muito influenciado pela corrente pictorialista, lança o dinâmico grupo foto-secessão, dedicado a promover a fotografia como forma de arte autónoma, abre a sua primeira galeria e no ano seguinte estreia a revista "Camera Work", muitas vezes considerada a melhor publicação americana de arte da primeira metade do séc XX e a mais bela revista de fotografia de todos os tempos. De notar que para além de fotografia a publicação deu à estampa trabalhos de Picasso, Braque, O`Keeffe e muitos outros artistas modernos. Executada com um rigor técnico inexcedível, a "Camera Work" dura apenas no entanto 15 gloriosos anos nos quais ajudou a fotografia a evoluir da estética romântica do pictorialismo para uma primeira modernidade que abriu caminho para muita da fotografia como a reconhecemos hoje. O trabalho de Paul Strand, no último número duplo da publicação é ilustrativo disto. Como galerista o seu trabalho foi igualmente seminal, tendo gerido uma plêiade de galerias que para além de fotografia exibiam muita da melhor pintura, escultura e trabalhos gráficos.

Enquanto fotógrafo, a sua obra é preciosa. Em 1922 Stieglitz declara ao que veio; "O meu propósito é fazer fotografias que se pareçam tanto com fotografias (i.e. em vez de pintura, gravura etc), que a não ser que o observador tenha olhos e veja elas não serão vistas - e ainda assim ninguém esquecerá tendo olhado para elas uma vez sequer."

  Alfred Stieglitz, "The Steerage", 1907



               "a fotografia fascinou-me primeiro como um brinquedo, depois uma paixão, depois uma
                 obsessão"


Faz parte deste manifesto de intenções a sua longa e famosa série de fotografias de nuvens, "Equivalents", bem como os retratos, estudos de Georgia O`Keeffe e vistas de Nova Iorque que ocuparam os seus últimos anos.

Um espirito renascentista, instrumental para a emancipação e afirmação da fotografia. Talvez seja mesmo o homem a quem ela mais deve.

Fontes; Encyclopedia of Photography, ed. Internacional Center of Photography; Beaumont Newhall, The History of Photography ;
Camera Work, the complete photographs, ed. Taschen; Wikipedia; John Swarkovsky, entrada na Enciclopédia Britânica 





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