31.7.09

Ficar mal na fotografia: Edgar Martins e o NYT

Edgar Martins, The Ruins of the Gilded Age




Edgar Martins (EM) é um artista plástico, de fulgurante sentido visual, que se socorre do suporte fotográfico para reinterpretações do real, ao serviço de construções intelectuais mais ao menos complexas, mas certamente não tão estimulantes como os resultados finais que apresenta.

Convidar um personagem destes para um projecto de fotografia que se pretende estritamente documental é pedir sarilhos; assim, começou por estar mal o New York Times (NYT), sempre na procura de cauções artisticas, (EM é - meritóriamente - um dos golden boys da art photography actual), mas também não esteve bem o próprio Martins, que certamente motivado pelo prestígio adicional de uma sumarenta exposição no mainstream mediático do NYT, não acautelou devidamente as regras do jogo, fazendo vista grossa ao que seriam as óbvias expectativas editoriais de uma instituição como o NYT.

Deu asneira, como era previsível, e abriu discussões assanhadas e cheias de bílis, entre fotojornalistas, artistas fotógrafos, técnicos de photoshop, critícos de arte e quem mais achou por bem vir a terreiro.

A polémica, sem ser um valor em si mesmo, é muitas vezes bem vinda, por via do debate de ideias; mas neste caso, a minha certeza é outra; toda esta parte gaga foi um mau momento para a fotografia, toda junta e por atacado. Uma disciplina que ainda hoje luta pelo reconhecimento de um estatuto de arte maior não pode dar o flanco desta forma desastrada. Edgar Martins e os seus arautos deviam ter melhor consciência disto.

Para finalizar, decidi partilhar estas reflexões na seqûencia da divulgação ontem no blogue Arte Photographica, de um longo texto de Martins sobre o caso em apreço; e devo dizer o seguinte;
embora bem vindas, as explicacões de EM estão atulhadas em justificações que se socorrem de uma erudição excessiva, deslocada, e em alguns casos, lamento dize-lo, francamente bacoca.

EM fotografa e produz imagética, muito melhor do que escreve. E é isso, que para prazer de todos nós deve continuar a fazer. Sempre com bom senso e sensibilidade.

26.7.09

As gémeas do nosso contentamento
















Da esquerda para a direita, Diane Arbus, Identical Twins, New Jersey, 1967; Mary Ellen Mark, Heather and Kelsey Dietrick, 7 years old, Kelsey older by 66 minutes, 2002
A propósito do aniversário da morte de Diane Arbus, é interessante reflectir que por vezes em fotografia, se aplica na perfeição o adágio "quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto".
Atente-se na assombrosa e assombrada imagem de capa da mítica monografia de Arbus publicada pela Aperture em principios dos anos 70. As inquietantes gémeas, com a sua estranheza de mãos, sorrisos de Gioconda e pose de meninas do "Shining", fazem uma daquelas fotos que nunca se esquecem.
Passados 30 anos outra grande fotógrafa, Mary Ellen Mark, visitou em dois anos consecutivos um "festival" de gémeos (e de trigémeos e de quadrigémeos e por aí adiante), a ocorrer numa localidade apropriadamente chamada Twinsburg. Recolheu lá material para "Twins", um dos seus mais celebrados livros, publicado pela mesmíssima Aperture Foundation.
Não sei se as gémeas de 1967 foram o leitmotiv para o projecto de 2002, mas sei que se acreditasse no além não podia deixar de achar que o espirito de Arbus pairou nas sessões de Twinsburg sobre os ombros de Mary Ellen Mark, sussurrando os segredos de quem sabe que a aparencia humana é uma máscara.

20.7.09

Três cadeiras e os seus homens.



De cima para baixo; João Rendeiro, Miguel Pais do Amaral, João Talone. Para "Exame".
©paulo alexandrino, 2007


Nos últimos anos, o género fotográfico para que tenho sido mais solicitado, cabe em traços gerais na definição de "retratos". Impôe-se, a bem da honestidade intelectual, o contraponto entre a definição etimológica do género e a forma tal como é correntemente practicado, com mais ou menos engenho, por mim e por 99% dos "retratistas" de imprensa.
Isto é; de retrato, no sentido clássico e romântico do termo, i.e, no que tem de "prescrutar a alma" e expor a personalidade do visado, a coisa tem pouco.
Parto (partimos) para cada encomenda, com uma percepção razoávelmente construida da imagem mais ou menos pública do visado, que depois, diligentemente, se tenta capitalizar e transformar numa forma que possa seduzir o espectador, sem nunca se afastar demasiado do que será a expectativa da entidade contratante e do seu público. Entramos então na vida da "vítima", como um autêntico furacão (faça isto, aquilo, agora assim, assado, aqui, ali), durante uns bons 20 a 30 minutos, findo os quais, arrumamos a tenda e nos despedimos cortêsmente até uma próxima oportunidade, que pode ser no dia de S. Nunca à Tarde, muitas vezes com a promessa, nem sempre cumprida, do envio de umas quantas fotos, como agradecimento da disponibilidade demonstrada.
...
No entanto, por vezes e de uma maneira quase fortuita, aparecem nas formas mais simples, sinais interessantes.
É nisto que penso, quando vejo esta "tripla" de retratos, que à coisa de ano e meio me foi encomendada pela "Exame". Tratava-se de retratos individuais de três importantes gestores da cena nacional, que se destinavam a ser "recortados" para uma montagem para a capa da dita "Exame". Quando lhes peço, por uma questão funcional, para se apoiarem numa qualquer cadeira que por ali estivesse é que surgem (ou não) as pistas: será que o carácter eminentemente utilitário da cadeira de João Talone, reflecte uma abordagem pragmática da vida e dos negócios?
E a cadeira, mais floreada e clássica de Pais do Amaral, diz-nos ou não algo das suas origens e da sua postura de "gentleman driver"? E será que a cadeira de "design", com o primado da forma sobre a função, com que João Rendeiro posa, nos dá pistas ou não, da forma como os deuses da fortuna deixaram de lhe sorrir?
De facto, nós somos nós e os nossos sinais. Ou qualquer um poderia ter a cadeira de um outro?

16.7.09

Julius Schulman, adeus a um mestre.


Em contraponto ás recorrentes polémicas das manipulações do real, de que o caso Edgar Martins (ver projeção global aqui) é o mais recente talk of the town, impôe-se um momento de recolhimento pela partida de um verdadeiro senhor. Julius Schulman, "O" fotógrafo de arquitectura, acaba de nos deixar aos 98 anos, depois de quase 70 (!) de carreira. Artista entre iguais, senhor de um virtuosismo técnico superlativo, e daquela contenção contemplativa que fazem os mestres, era o fotógrafo favorito de Frank Lloyd Wright, entre outros gigantes. Para conhecer melhor no obituário do LA Times, aqui, na notícia da Fast Company aqui, e no magnifico trailer de um filme-homenagem agora em exibição, aqui

Julius Schulman, case study house #22, (the Stahl House), Los Angeles, 1960
Arquitectura de Pierre Koenig

5.7.09

Finalmente a Normandia.




















©paulo alexandrino






Como muitos da minha geração, os de sessentas, desenvolvi um interesse infanto-juvenil pela 2ª guerra mundial, que raiava o obsessivo. A minha erudição, era largamente assente em três respeitáveis catrapázios editados pelas Seleções, no consumo voraz de tudo o que era filme de guerra e com a frequência dos livros do Sven Hassel que faziam o contraponto possível ao discurso do lado vencedor.

Isto para dizer que agora, passados 30 anos sobre estes entusiasmos, pude finalmente, no embalo de umas férias em familia, marchar sobre a Normandia, as suas praias, cemitérios e demais atrações.

Retive que gostei muito da estratégia de (quase não) conservação das fortificações alemãs de costa. Ao permitir que os efeitos da passagem do tempo vão inexorávelmente fundindo as ruinas na bucólica paisagem normanda, obtem-se uma bela alegoria que fala com o tempo que as grandes feridas levam a sarar. Também no belissimo cemitério alemão em La Cambe, o tempo passa sereno, num ambiente de perfeita geometria romântica, que de certa forma contrasta com o mais espectacular, mas mais movimentado e buliçoso cemitério americano de Colleville-Sur-Mer
onde o sentido de espectáculo de além atlântico impõe uma cenografia mais esmagadora.
Galeria de imagens em registo muito livre para ver aqui.