16.11.09

QUEM VÊ CCTV?


Nuno Lopes em "Alice", de Marco Martins



No maravilhosamente triste "Alice" de Marco Martins, existe uma cena que é toda uma antologia da relação entre o cidadão e as milhares de câmaras de CCTV  que enxameiam as nossas cidades. Quando o personagem de Nuno Lopes se desloca ás catacumbas do aeroporto de Lisboa para clandestinamente resgatar um saco cheio de cassetes de vigilância, onde espera vislumbrar a sua filha desaparecida.
O operador vídeo com tiques de dealer alienado que lhe proporciona a transação, fá-lo porque sabe que ninguém as vai reclamar. A enorme maioria destas testemunhas silenciosas do nosso quotidiano constroem em milhões de gigabites de informação um gigantesco e surreal puzzle/mosaico da nossa passagem pela terra, cujos ecos se vão perder num espaço-tempo incerto.
Mais que servir as tentações totalitárias dos governos, a multiplicação exponencial destes aparelhos e a forma como a encaramos espelha o nosso medo da vida em sociedade. Da ameaça silenciosa que o "outro" representa, e que nós próprios podemos constituir.

E por vezes, como no caso recente do Metropolitano de Boston, estas sentinelas digitais abandonam a sua função original e entram pelo campo do jornalismo visual. Neste caso em concreto duas câmaras, em rudimentar edição campo/contracampo, assinam um momento de reportagem de "Cidadão-Repórter" - e sem "Cidadão", o que suspeito ser o sonho dos mais cibernéticos patrões de imprensa - dando conta em 30 segundos, de uma história triste com final feliz. A máquina testemunhou, cega e sem critério a miséria do humano. E outro humano logo pegou no seu testemunho e o tornou em mais um fait-diver urbano, à medida de um hit do Youtube, onde imediatamente pontificam comentários como "Ahahahaha ha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!LOL ;) Dumb person".

Dias cinzentos em Alphaville.

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