20.11.09

RITA CARMO E A POP ART DOS POBRES.



  Depois & Antes; À direita, António Sérgio por Rita Carmo, 1993. À esquerda, intervenção de "Sardine&Tobleroni". Condições de venda: «framed, 72 cm x 102 cm (including frame), selling price EURO 2.000 (April 2008). Note that prices might go up while paintings are on tour.»



A fotógrafa Rita Carmo (Leiria, 1970) é uma profissional que faz a sua carreira  na documentação da cena músical nacional. Conquistou pela sua qualidade e seriedade merecido destaque no meio, como fotógrafa residente do "Blitz" (para o bem e para o mal o nosso New Musical Express), pela sua colaboração com inúmeras bandas, e ainda pela obra publicada, com relevo para o seu "Altas Luzes".
Ou seja, firmou-se como um nome que conseguiu a difícil distinção de ser sinónimo de um género. E que por estes dias está a ser falada na comunidade fotográfica, não pelo mérito próprio mas por (de)méritos alheios.

 Em resumo; a Rita está (justamente) fula e desse estado de alma nos deu conta. Pois que a dupla de artistas plásticos "Sardine&Tobleroni", ou seja o suiço Jay Rechsteiner e o conimbricense Victor "Torpedo" Silveira (ex-guitarra dos Tédio Boys), se apropriou, sem pré-aviso, de várias fotos suas para sobre elas construir parte da exposição "Espelho meu - História do Rock Português". 
O "modus operandi" destes talentos assenta na práctica (mais que estafada) da época áurea da Pop Art que consistia grosso modo na assunção que toda a produção visual e iconográfica contemporânea seria do domínio público. Assim, e por decisão unilateral,  qualquer intervenção plástica à posteriori, transfigurava a obra original numa "coisa" nova, pelo que se considerava convenientemente extripada  de qualquer direito autoral a sua matriz primeira. Tal práctica de atropelo ético, vulgo gamanço, quando aplicada por talentos visuais alucinatórios como Andy Warhol e demais troupe produziu os resultados conhecidos. Quando os talentos são sómente alucinados,  temos como no caso em apreço, apenas um pastiche preguiçoso que visa construir a sua capitalização sobre o esforço alheio. Naturalmente que, legalismos à parte, a cada um o seu ponto de vista, pelo que convido o leitor a, observando o díptico acima,  aferir das diferenças entre o antes e o depois, e da justeza  da "elevação" do documento fotográfico à condição de "obra artística."

De notar que no video da reportagem da vernissage brilha, entre vários, Miguel Ângelo (o dos Delfins, não o outro) a explicar embevecido o monumento que honra a sua banda. Interrogo-me de como reagiria ele se ao entrar num elevador, ouvisse os acordes de uma das suas imortais cantigas samplados num qualquer "Muzak" sem que para tal tivesse sido ouvido nem achado.
 Para finalizar em beleza, o jornalista Davide Pinheiro reproduz nas páginas do "DN" da ocasião, um antológico depoimento de Victor Silveira, dando conta que foi numa ocasião em que partiu as duas pernas que, "Depois do acidente, pedi à minha namorada para me comprar umas telas. Nessa altura começei a trabalhar mais nessa área, porque tinha que permanecer em casa." 
 De facto a necessidade aguça o engenho. E uma desgraça nunca vem só.

16.11.09

QUEM VÊ CCTV?


Nuno Lopes em "Alice", de Marco Martins



No maravilhosamente triste "Alice" de Marco Martins, existe uma cena que é toda uma antologia da relação entre o cidadão e as milhares de câmaras de CCTV  que enxameiam as nossas cidades. Quando o personagem de Nuno Lopes se desloca ás catacumbas do aeroporto de Lisboa para clandestinamente resgatar um saco cheio de cassetes de vigilância, onde espera vislumbrar a sua filha desaparecida.
O operador vídeo com tiques de dealer alienado que lhe proporciona a transação, fá-lo porque sabe que ninguém as vai reclamar. A enorme maioria destas testemunhas silenciosas do nosso quotidiano constroem em milhões de gigabites de informação um gigantesco e surreal puzzle/mosaico da nossa passagem pela terra, cujos ecos se vão perder num espaço-tempo incerto.
Mais que servir as tentações totalitárias dos governos, a multiplicação exponencial destes aparelhos e a forma como a encaramos espelha o nosso medo da vida em sociedade. Da ameaça silenciosa que o "outro" representa, e que nós próprios podemos constituir.

E por vezes, como no caso recente do Metropolitano de Boston, estas sentinelas digitais abandonam a sua função original e entram pelo campo do jornalismo visual. Neste caso em concreto duas câmaras, em rudimentar edição campo/contracampo, assinam um momento de reportagem de "Cidadão-Repórter" - e sem "Cidadão", o que suspeito ser o sonho dos mais cibernéticos patrões de imprensa - dando conta em 30 segundos, de uma história triste com final feliz. A máquina testemunhou, cega e sem critério a miséria do humano. E outro humano logo pegou no seu testemunho e o tornou em mais um fait-diver urbano, à medida de um hit do Youtube, onde imediatamente pontificam comentários como "Ahahahaha ha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!LOL ;) Dumb person".

Dias cinzentos em Alphaville.

11.11.09

DA INOCÊNCIA PERDIDA DA FOTOGRAFIA (E) DO FUTEBOL.


Á esquerda, "O Formidável" Fernando Marques acorre a consolar Eusébio. ©

   









De cima para baixo: Maradona em 1979, o brasileiro Jair durante um nevão num Inter-Pádua em 1962 e Geoff Hurst festeja no mundial de 1966 num momento de "arte" foto, tipo "O Independente" avant la lettre.




Um emocionante post de José Vegar acerca do desencanto que  o futebol moderno lhe causa, trouxe-me à memória a maneira com que a "Idade da Inocência" do desporto-rei era captada pelos fotógrafos de então. Actualmente, o primado das teleobjectivas causa um efeito de isolamento da acção, em espectaculares grandes planos que se repetem ad nauseam de jogo para jogo, seja um Nacional-Belenenses ou um Bayern-Inter. As celebrações das grandes conquistas passaram da subversiva e telúrica alegria (lembremo-nos de João Pinto no Prater de Viena a monopolizar a Taça dos Campeões em 87) para coreografias plastificadas entre nuvens de "confettis" onde só a cor muda, encenadas para as camaras de televisão.

Sinal dos tempos, muitas das mais estimulantes imagens são agora obtidas através de camaras fixas em locais improváveis e disparadas por comando remoto por vezes a 100 metros de distancia. Tudo num cenário onde os adeptos se enfeitam numa excentricidade mainstream, cientes da iminência dos seus 10 segundos de palco visual.
Para sempre ficou perdido o registo da envolvência da acção, com as bancadas apinhadas de uma multidão absorta, os ângulos abertos em que uma dúzia de jogadores bailavam, e a inocência com que as grandes estrelas, então livres dos milionários compromissos comerciais encaravam as objectivas.

E de histórias de futebol e fotógrafos, o nosso país tem a mais bela de todas: naquela fatídica tarde de Julho de 1966, Eusébio abandona em lágrimas o relvado de Wembley. Vejam a foto de abertura acima e reparem num sujeito, magrinho e com uma gabardina coçada que se precipita para consolar o Pantera Negra (existe uma bastante melhor do Mestre Nuno Ferrari). O homem é Fernando Marques, "O Formidável" (1911-1996), o cauteleiro de Coimbra tornado fotógrafo, que "doente" da Académica, corria também o mundo na peugada dos "Magriços". Naquela hora de desespero do seu menino mais querido, Fernando pousou as máquinas e acorreu ao amigo como os Homens fazem. Perdeu o "boneco" mas também ganhou o seu lugar na história. Formidável.

ps. Existe no mercado uma mão cheia de livros repletos de interessantes foto sobre o assunto. Algumas das acima podem ser adquiridas em " Football", de Nick Yapp, edição Konemann

7.11.09

O ESTRANHO CASO DOS ADOLESCENTES QUE NÃO SORRIEM.


                                       Rosie Bancroft por Paul Floyd Blake©.  Imagem vencedora da edição 2009 do 
                                       Taylor Wessing   Photographic Portrait Prize.



Acima temos um  retrato da atleta paralímpica britânica Rosie Bancroft pelo fotógrafo Paul Floyd Blake. É a imagem vencedora da edição deste ano do Photographic Portrait Prize (PPP),  recentemente inaugurado na National Portrait Gallery de Londres. Crescente sucesso de público, o PPP  não está imune à sua dose de polémica, como relata o excelente British Journal of Photography.
Básicamente pelo que tem sido percebido como uma obsessão temática por retratos de sombrios adolescentes, onde não se vislumbra um sorriso. Alguns dos fotógrafos premiados argumentam que na pintura os retratados raras vezes sorriem, e que a exigência de que as pessoas sorriam em representações gráficas é recente; 'In real life you don't go around grinning', afirma Floyd Blake.




Parece assim existir uma notável diferença de foco entre a abordagem retratística do produtor profissional, que tenta captar a "vida como ela é", e a visão do público, que aguarda por imagens "da vida como deveria ser",  ou seja, com os sinais de felicidade omnipresentes na vastíssima produção doméstica de "instantâneos" do círculo familiar e da amizade.
Quanto à escolha do objecto primeiro, i.e os adolescentes como assunto, a explicação é linear. O fascínio pela adolescência projecta certamente a nossa expectativa colectiva na eterna juventude.
E será que a representação desse anseio de imortalidade no ar fechado destes modelos, de onde os sorrisos se mantêm arredados, é apenas um modismo visual, ou reflecte também o espírito angustiado dos tempos incertos que a contemporeaneidade ocidental vive?




Procurar mais pistas em edições anteriores do PPP, e a visitar também a página web do premiado.


ps. refira-se que em anos recentes o PPP tem sido patrocinado pela firma de direito Taylor Wessing, num exemplo de mecenato infelizmente cada vez mais escasso por estas paragens.

3.11.09

MERT & MARCUS - UMA COMUNHÃO VISUAL


Penélope Cruz por Mert&Marcus in Vanity Fair, Novembro 2009



A parceria Mert &Marcus, um dos valores mais cobiçados do mundo da foto de moda, é uma interessante excepção à natureza indivídual da práctica fotográfica. Começa por o espírito da sua estética não se inscrever no das megas produções à lá Leibovitz, cuja complexidade mais pode convidar à união de esforços. Pioneiros de assumida pós-produção digital, o seu trabalho vive também da contenção de adereços, de obsessiva atenção ao make-up e cabelos, servida por completa eficácia de iluminação. Sempre com o foco na aparência do modelo, que ganha absoluta e inquietante perfeição. Na Vanity Fair de Novembro, Penélope Cruz faz capa em mais um notável ensaio da dupla, que a reinterpreta à luz do grande glamour da era dourada de ícones como Rita Hayworth e Ava Gardner.
Mert Alas, de origem turca, e o inglês Marcus Piggott, ambos nascidos em 1971, iniciaram colaboração em  1994. E sim, para além da parceria fotográfica, existe entre ambos um relacionamento amoroso. Os relatos de quem os vê trabalhar contam que alternam a tomada de vistas à vez, sem nenhum guião predefenido, inviabilizando completamente as tentativas de atribuição desta ou daquela imagem a um ou a outro. 
É esta comunhão visual, que parece situar-se fora dos afectos, que acho interessante. Veja-se que Diane Arbus era casada com o fotógrafo Allan Arbus, sem que nenhuma produção conjunta de relevo (exceptuando as lineares encomendas comerciais) seja conhecida. No caso de Helmut Newton, a sua mulher June (aka Alice Springs), trilhou carreira por mérito próprio, afastada do imaginário do marido.


A plena confiança na visão estética do outro parece assim mais dificil de obter do que a da relação amorosa. Quando se faz o pleno, deve ser muito agradável.
Mais da dupla, aqui.

1.11.09

SEXO E PÍXEIS.

 





























©paulo alexandrino 2009



Modorrenta tarde de sábado, a senhora e a menina abalaram para um casamento, bola na tv só mais à noitinha. Ocasião ideal para  excursão ao mundo do erotismo, na procura de um momento de "Arte & Ensaio", que fica sempre bem. No Salão Erótico de Lisboa o ambiente, é como seria de esperar, visualmente estimulante. Os Artistas (e uso a expressão sem ponta de ironia), são na sua maioria muito profissionais, atraentes, competentes e empenhados. Pareceu-me no entanto, que a pouca produção do ambiente industrial do gigante pavilhão da FIL, cortava um pouco o que antecipava ser a atmosfera de um evento do género. Partilhei esta reflexão com o Sr. do stand da Louça das Caldas (a quem adquiri por 3€ um vigoroso frade), que me afiançava, com a autoridade de quem corre todas as feiras eróticas ibéricas, que esta nossa é das mais categorizadas. Em Espanha, relata-me , "as mulheres são uma miséria". Mais uma machadada na mania de dizer mal do que é nosso.


Em termos fotográficos, para além dos talentos em registo autoral, as hostes dividem-se entre os profissionais que abnegadamente documentam o evento, e hordas entusiasmadas de "cidadãos repórteres". Estes últimos recorrem essencialmente a aparelhos foto DSLR e compactos de gama média, (com assinalável presença dos sensores 4/3, excelentes na relação qualidade preço), e a sofisticados telemóveis onde os Sony e os Nokia fazem valer as suas assinaláveis performances fotográficas. Iphones e Blackberrys levam neste departamento bigode das marcas mais antigas. Todos beneficiam do desconcertante à vontade e paciência dos actores e actrizes, que não perdem a compostura nem quando alguns "chaussers d`images" mais voluntariosos quase introduzem os telemóveis em locais reservados à actividade lúdico-profissional.


Uma palavra final para o numeroso e descontraído público, sendo de saudar a elevada presença de casais em espirito de convívial e galhofeira boa disposição. Parabéns à organização do simpático certame que já se constituiu como um bom costume sazonal. Mais fotos de uma tarde educativa para ver aqui